segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (82)


Tristan Tzara

Tratava-se, na postagem anterior, da fuga à linguagem quotidiana. E o assunto continua.

Pág. 168 - "Por vezes, a hipertrofia de C - e em especial de CM - não se realiza através de um processo cultista de uerborum exornatio. purificatio, mas através de um processo inverso - um processo cínica ou ludicamente corrosivo que dessacraliza, que 'carnavaliza' normas e padrões respeitáveis, que converte o genus sublime em genus humile e em genus turpe e que atribui estatuto literário às uerba humilia, sórdida e obscena. (p.169) Na poesia satírica barroca e em muitos autores dos chamados movimentos de vanguarda, de Jarry a Vachpé, de Govoni a Palazzeschi e a Tzara, abundam fenômenos desta natureza.

Noutros períodos literários, pelo contrário, a língua literária aproxima-se da língua standard, quer num esforço de reduzir, ou eliminar, a distância comunicativa em relação a um público leitor cada vez mais extenso e, na sua maioria, carecente de cuidadosa preparação académico-cultural, quer com o objectivo de apreender mais directa, fiel e transparentemente a realidade do meio físico e social. Assim aconteceu um pouco com a língua literária do romantismo e, sobretudo, com a língua  literária do realismo.
Quando C se hipertrofia ao ponto de GN perder em larga medida capacidade descritiva e explicativa em relação às estruturas de LL, a língua literária tende a converter-se numa língua hermética, isto é, uma língua escassa ou nula capacidade comunicativa relativamente aos falantes/leitores que não tenham sido iniciados no seu conhecimento. Assim aconteceu, por exemplo, com o trobar clus dos trovadores provençais, com alguma poesia barroca, com alguma poesia simbolista e decadentista e com muitos textos pertencentes à chamada (p. 170) 'literatura de vanguarda', desde o futurismo ao concretismo. Quando, num texto literário, o código do sistema semiótico primário sofre transgressões profundas e sistemáticas - e estas transgressões apresentam uma motivação e uma significação ideológicas e sociológicas -, a língua literária configura-se como uma antilíngua, cuja legibilidade, sempre ameaçada de hiatos e bloqueamentos, requer uma decodificação especializada.

(CONTINUA)
Glossário:
L - Língua natural
LN - Língua não literária
LL - Língua literária
GN - Gramática que descreve LN
GL - Gramática que descreve LL
C - GL subtraída de GN

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