Como os ditos populares não conseguiram resistir à perda da ingenuidade e passaram a ser contestados
por Menalton Braff — publicado 13/06/2014 14:50, última modificação 13/06/2014 15:21

Até hoje, crescemos ouvindo tais joias da tradição oral e, à força da repetição, os ditados tornam-se verdades indiscutíveis. Era isso o que estávamos discutindo ontem à tarde no bar do Ranulfo, lugar em que costumamos libar enquanto desvendamos os mistérios da raça humana.
Um amigo sentado a meu lado jogou sobre a mesa “Quem espera sempre alcança”. Os outros, em volta, fizeram silêncio, os olhos metidos pra dentro, que é onde se enxergam os pensamentos. Não esperei muito, porque o garçom já vinha trocando nossos copos, e retruquei com aquele Coronel, do Gabo, que esperou a vida toda em Macondo e nada alcançou. Alguns de nossos companheiros quiseram botar em discussão as questões de universal e particular, mas o tumulto não permitia considerações de lógica. Nem da maior e muito menos da menor.
Mais crítico do que os demais, o Adamastor, que não é muito chegado a madrugadas, enrugou a testa quando alguém disse que “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Ele olhava para os lados como alguém que não entendeu o sentido do ditado. Mas não era nada disso, não. Seu espírito crítico é que lhe desenhava aquele ponto de interrogação no semblante.
Então começou a falar dos trabalhadores que, antes, bem antes de o sol nascer, já passam em ônibus lotados para a lavoura, para as indústrias, para o ganho do sustento. O neto, o pai e o avô vão juntos, presos ao mesmo destino de dureza e muitas carências.
Ante a perplexidade dos companheiros de mesa, ele arrematou: − Deus ajuda a quem cedo madruga, mas ajuda muito mais a quem não precisa viver do suor do próprio rosto.
E meu amigo gigante completou dizendo que os ditados, que durante séculos fizeram muitas cabeças, submetidos a uma crítica qualquer não conseguem resistir. Por isso, erguemos um brinde à perda da ingenuidade.
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