terça-feira, 26 de agosto de 2014

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (109)


Yurij Tynianov

Pág, 237  "O formalismo russo, ao definir a literariedade mediante a função poética da linguagem e ao colocar no centro das suas preocupações metodológicas a análise descritiva e sincrónica dos textos literários, desvaloriza logicamente o emissor/autor. A atitude antibiografista do formalismo russo não dimana de uma simples relação polémica com a história literária positivista e académica, mas de uma concepção radicalmente anti-romântica do fenómeno da produção literária. Para os formalistas russos, a literatura é convenção, artifício, 'procedimento' (priëm)   técnico-formal e semântico e não efusão confessional, imagem ou tradução de uma vivência, como se entre a realidade psíquica e a ficção poética  existisse um nexo de causalidade mecânica. Tynjanov formula em termos explícitos uma poética antibiografista e, sob certos aspectos, mesmo anti-autoral, ao defender o princípio de que a 'personalidade literária' e o 'protagonismo do autor' não reflectem um fenómeno psico-biográfico, mas representam uma consequência da 'orientação linguística da literatura' em determinadas épocas: não é a vida real que se projecta na literatura, mas, inversamente, a literatura que se expande na vida, em conformidade com as normas linguísticas e estilísticas dominantes num dado sistema literário (estas normas consubstanciam de modo privilegiado as (p.238) inter-relações do sistema literário com as convenções sociais, pois a linguagem verbal constitui o elemento mediador fundamental entre a literatura e a sociedade. Se o sistema condiciona assim a produção do texto literário, a 'intenção criadora do autor' deve ser considerada apenas como um fermento e a 'liberdade criadora' como um optimista estereótipo verbal:  trabalhando com um material literário específico, submetido às constrições da chamada 'função construtiva', as quais defluem da orientação geral do sistema, o autor não usufrui de 'liberdade criadora', ficando antes sujeito a uma 'necessidade criadora'.
No âmbito da retórica estética do Círculo Linguístico de Praga, encontra-se nalguns estudos de Mukarovsky uma sistemática desvalorização do autor, não só do autor considerado enquanto consciência subjectiva - a identificação da obra literária com o estado psíquico, individual e momentâneo, do autor implicaria a sua inefabilidade e a sua incomunicabilidade, ao passo que Mukarovsky define toda a obra de arte sub specie commuinicationis -, mas também do próprio autor considerado enquanto produtor da obra: se a obra inacabada, como o esquisso, se apresenta como dependente ainda do seu criador, a obra acabada, 'pelo contrário, é uma propriedade comum, privada de um vínculo directo com o autor'. Quer dizer, Mukarovsky deprecia a função do autor na medida em que valoriza a existência da obra literária na dupla função (p. 239) semiológica de signo autónomo e de signo comunicativo   e na medida em que faz avultar a função do fruidor/leitor  , entidade capital relevância no pensamento do grande estetólogo checo. Se a conceituação da obra literária como signo autónomo reenvia à problemática de uma poética formalista, a sua conceituação como signo comunicativo, isto é, como 'artefacto', como 'símbolo exterior' a que corresponde um 'objeto estético' na consciência do fruidor/leitor, impõe a superação dos limites daquela poética, abrindo os horizontes interligados de uma análise sociológica e de uma estética da recepção dos textos literários.

(CONTINUA)

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