* Conto que integra a coletânea inédita "O peso da gravata e outros contos".
Jardim Europa
Enquanto erguia o aparelho, olhou
para o relógio ponto: uma hora ainda para entregar o posto ao porteiro que
viria da cidade para rendê-lo. O dia prometia nascer, mas não dava muita
certeza, pois não passava de uma barra esbranquiçada que o vigia adivinhava por
cima do muro - seu exíguo horizonte. Apesar da noite persistente, achou estranho
ninguém ter pedido passagem até aquela hora. A manhã era preparada, ali dentro
do condomínio, por um batalhão de funcionários.
Depois dos primeiros meses no
cargo de porteiro, tomando pílulas desesperadas contra o sono, os sentidos de
Sebastião desenvolveram acuidade e astúcia tamanhas que ninguém jamais o pegara
dormindo. Era considerado, por todos os moradores do condomínio, como um
funcionário modelo, e não havia casa, no interior daqueles muros, em que não
fosse tido quase como um membro da família, tão discreto e prestativo se
mostrava. Ouvia os elogios com modéstia de olhos baixos, sem comentários, para
depois repetir, em casa, tudo que tinha ouvido, com detalhes como nomes,
profissões e inflexão da voz. Não o incomodava muito desencadear, às vezes, um
pouco de inveja.
Mas Sebastião nem sempre foi como
acabou sendo: um funcionário modelo. Sua preparação foi acompanhada de uma
infinidade de experiências, com observações rigorosas, formulação de diversas
teorias, muitas delas abandonadas ao longo dos anos, guerra de palavras pela
imprensa, às vezes com ofensas à moral do adversário, até chegar-se ao
resultado final: ele. Sebastião foi longamente adestrado para atingir a
condição de admitido. Enfim, uma pessoa de confiança não se constrói senão com
séculos de processo civilizatório.
O porteiro, entretanto, não era
tão bronco que não vislumbrasse de olho miúdo algumas das manobras e não
intuísse as artimanhas mais dissimuladas. Não era. A sobrevivência é que
inventava recursos: as espertezas de Sebastião. Ele gostava de se fingir cego
para ver tudo sem despertar suspeitas? Eram lições que encontrava nos livros,
companheiros seus nas longas noites, e na vida, que muito ensina, bastando
manter-se alguém ligado nas significações. Ele se mantinha.
Ninguém de seu sangue, até então,
tinha feito uso de telefone. Sabiam de sua existência e utilidade, as crianças
usavam latinhas de conserva imitando os aparelhos reais, mas o único da família
que desfrutava de intimidades com o telefone era Sebastião. Isso, e outros
pormenores de sua função, dava-lhe certo grau social entre os conhecidos o qual
ele não desprezava. Do outro lado da linha quem esperava era dona Leonor, com
sua voz despetalada. Ai, tão aflita, seu Sebastião.
Existem exigências que, a despeito de injustas, são, por alguma razão,
desejáveis. Querer que o porteiro explicasse por que Isaura, até aquela hora,
não tinha passado pela portaria, poderia parecer absurdo ao porteiro, mas de
exigências absurdas também se tecem prestígios, e são elas que aquilatam o
quanto uma pessoa participa da vida das demais. Isso dava ao vigia a sensação
de ser íntimo dos condôminos e fazia-lhe muito bem. O café do meu marido, seu
Sebastião! E ela ainda não chegou. O dr. Oscar já deveria estar na estrada,
entende?
Com o rosto dobrado e um sulco de preocupação na testa, o porteiro
entendia, ou fingia entender, sobretudo pequenos problemas domésticos, aqueles
que não ultrapassavam o vôo de um passarinho. Por isso, muito rapidamente usou
o sulco da testa para imaginar uma solução, e recomendou a dona Leonor que
pedisse auxílio a algum dos vizinhos cuja empregada dormisse no emprego. Ele
mesmo sabia de várias delas. Enquanto isso, investido de uma autoridade séria,
ele tentaria descobrir o tamanho do estranho silêncio que esperava o nascimento
do sol e sua possível relação com o estranho atraso de Isaura.
Desligou o telefone e levantou-se,
antes de abrir o primeiro vidro. Descobriu, então, espantado, que o silêncio
fora fabricação sua, e apenas sua, para uso exclusivo dentro da portaria:
necessidade do sono de pálidos sonhos que sonhava. O
sono.
*
O porteiro
saiu com seu uniforme cáqui para a umidade escura, atraído por um rumor que
existia no ar frio e cuja origem seus ouvidos não tinham competência para
determinar. Auscultou todos os espaços da colina e seus arredores com
severidade profissional, farejante, sem descobrir nada. O rumor parecia estar
em tudo, pois era como uma vibração, coisa viva, um diálogo entre a terra e o
céu. Por ter conhecimento de suas graves obrigações (em seu registro constava
que era encarregado pelo turno da noite) foi que Sebastião, de pernas muito
abertas na frente de sua portaria, examinou atento a ladeira que descia para a
cidade. Nenhum automóvel se mexia no imenso espaço aberto a sua frente,
pedestre algum subia pela avenida.
Enquanto
examinava o mundo do lado de fora do muro, o porteiro pensava, então, quer
dizer que a dona Isaura, hein, sim senhor. E sacudindo a cabeça muito
compreensiva, sorria imaginando a bandalheira em que a empregada talvez
estivesse metida.
Fazer
segredo do muito que sabia era uma de suas perícias. Sebastião fazia. Conhecia
casos escabrosos, conflitos sem conciliação, derrotas vergonhosas e vitórias
sublimes, vividos por moradores do condomínio Jardim Europa. Empregada nenhuma
passava pela portaria sem deixar alguma história, qualquer pista de enredo,
quase sempre de forma indireta, alusiva e de soslaio, que Sebastião trancava na
guarita (meus olhos não viram, nem ouviram meus ouvidos) por saber que o
armazém dos segredos aumenta o poder de um homem. Não que houvesse propósito
claro, talvez criminoso, de utilizar em proveito próprio as histórias que
ouvia. Muitas vezes já temera até que não passassem de armadilhas lançadas com
malícia em seu caminho e contra as quais deveria ficar prevenido. Saber que
destino dar a tudo o que ouvia não sabia, mesmo assim preferia continuar
guardando porque o futuro é um alforje cheio de surpresas.
No meio da
ladeira, uma sombra em movimento querendo existir, poderia ser a Isaura? Com a
brisa que subia da cidade, chegou mais nítido o vozerio. A sombra oscilava à
passagem do rumor, mas não saía do lugar e Sebastião a desqualificou como a
possibilidade de ser a Isaura chegando atrasada ao serviço. O burburinho, este
sim, parecia vir daquela direção, como se a cidade estivesse inundando a
colina.
Finalmente
o porteiro convenceu-se de que era o telefone que retinia daquela maneira descabelada
e voltou rápido para seu posto na guarita, como lhe ditava o dever. O assunto
era novamente a Isaura, mas agora quem queria saber dela era a Rosa, uma de
suas colegas, que, da casa de dona Leonor, perguntava se ela ainda não tinha
aparecido. Não tinha. Desde meia-noite, mais ou menos, não havia registro da
passagem de uma só pessoa pela portaria. Resposta breve como um relatório, uma
resposta profissional, com precisão nos detalhes, porque Sebastião começava a
desconfiar de que as nuvens moviam-se mais baixas e escuras do que costumavam
mover-se naquela época do ano.
A empregada
pediu que ele esperasse na linha e passou o aparelho para o dr. Oscar, marido
de dona Leonor. Já, sim senhor. Mas também não sei. Comecei as investigações,
mas ainda não descobri nada. Vou continuar tentando, dr. Oscar. Sim. Sim. Vou
continuar tentando. Parece que vem de baixo, do lado da cidade, mas não se
consegue ver nada por enquanto. Eu também começo a ficar apreensivo, dr. Oscar.
Também. Sim, senhor. Imediatamente.
O modo
gentil de responder. Aquele modo gentil vinha de seu treinamento, pois
Sebastião fora preparado para a função. Só isso. Esse dr. Oscar, quando falava,
falava com a boca cheia de prestígio, o modo autoritário sustentado por sua
fortuna. Funcionário do Condomínio Jardim Europa devia satisfação apenas ao
senhor síndico, eleito pela assembléia. Ao depor o telefone sobre o pino,
Sebastião sorriu quase vesgo daquele desconcerto que era receber ordens de quem
não tinha direito de ordenar. Recebia sem receber, como astuciava.
O rumorejo
de vozes humanas clareava com o dia, e Sebastião saiu da portaria com olhos assustados
investigando os terrenos baldios da ladeira, pois agora conseguia vislumbrar
uma barra escura lá embaixo, no início da avenida, por onde o condomínio se
comunicava com a cidade.
*
Com dois toques rápidos da buzina,
Sebastião foi chamado de volta à portaria, porque o dr. Oscar estava iniciando
uma viagem importante e era necessário que a cancela fosse erguida logo para
que a partida não fosse atrasada ainda mais. Sebastião quase não viu o carro
com o dr. Oscar dentro, de tanto que julgava ser temerário enfrentar aquela
barreira humana lá em baixo, a crescer no início
da avenida, por onde o condomínio se comunicava com a cidade, pelo menos antes
de uma averiguação mais rigorosa.
O dr. Oscar
ouviu com a testa impaciente enrugada, o motor ronronando, e o vidro abaixado
permitindo a mistura dos ares, o de fora com o de dentro. Piscou longo,
sacudindo a cabeça, que não, não tinha mais como esperar. Sentindo-se
desconfortável com a proximidade do rosto de Sebastião, ergueu o vidro fumê e
olhou para frente: o lugar por onde deveria descer com o carro. Era contra
certas regalias de tratamento concedidas a subalternos, que por fim julgam-se
no direito de opinar sobre o que se deve e o que não se deve fazer. Várias
vezes tinha advertido Leonor a respeito de algumas intimidades inconvenientes,
talvez perigosas, permitidas aos serviçais.
A vitória de Sebastião era saber
os resultados mesmo antes que acontecessem. Ficou observando o carro diminuir
ladeira abaixo e não conseguia não sentir pena, apesar de toda aquela
arrogância de cristal. Enfim, estar empregado e receber um salário razoável
dava-lhe uma alegria que por nada poderia estragar-se.
Muito lírico, em seu estado,
Sebastião deliciava-se ainda com seus próprios pensamentos leves, aquelas
descobertas, quando retiniu a campainha do telefone. Desta vez foi preciso
examinar-se dentro do uniforme e seus botões, com postura correta e profissional,
pois quem chamava era o senhor síndico, o superior imediato, a quem devia obediência,
de acordo com o Manual de Procedimentos.
Fora acordado por um rumor, som
cavo e pairante, estando em
tudo. Que se pode dizer de um barulho assim, hem, seu
Sebastião? O porteiro, atitude marcial, disse tudo que sabia. Mas não sabia
muito. Está ouvindo? A voz do senhor síndico tinha restos de sono dependurados,
de um sono com o final azedo por causa daquele barulho que subia do coração da
Terra, um barulho como de vozes humanas. E como saber que é produzido por seres
humanos um tal rumor? O senhor síndico dizia-se racional, e, em momentos de
maior exaltação, acrescentava a suas características o adjetivo cartesiano. Por
isso era o síndico, e todos os moradores do Jardim o admiravam, pois, além de
usar métodos satisfatórios, ainda sabia defini-los de maneira racional. Hem,
seu Sebastião, como saber?
O funcionário, mesmo dentro de seu
uniforme, ousava considerar o chefe um pouco cansativo, com tantas dúvidas, com
aquela necessidade de comprovação mesmo para os fenômenos mais simples e
naturais. Apesar dessa opinião, conhecia seus deveres e procurava dar respostas
racionais, o que nem sempre era possível. Eu sei porque moro na cidade, seu
Renato. Para mim, este som não deixa de ser algo familiar.
Enquanto conversavam cheios de
siso – as pessoas executando seus graves papéis – o alarido tornava-se mais
nítido, e Sebastião descobriu alumbrado que a manhã tinha chegado espalhando
claridade sobre a colina. O orvalho, nas plantas dos jardins, multiplicava o
Sol em milhares de pequenos brilhos. Pensou rapidamente, entre duas palavras de
seu Renato, que já deveria estar em casa, àquela hora, tomando café com a esposa
de olhos inchados e coxas mornas.
Sebastião teve um momento de
vertigem, umas lembranças físicas que o ocuparam, e se distraiu. Como, senhor?
Um relatório. Imediatamente.
Quando ouviu o clique do telefone
pousado no pino, o porteiro ergueu as sobrancelhas convencido de que aquela
tarefa extrapolava suas funções, regidas por um manual e restritas à prestação
de serviços intramuros. Teria de abandonar o posto por algum tempo, descer
quanto possível a ladeira na direção da cidade e voltar com um relatório minucioso
do que observasse. Poderia recusar-se? Em época de grande desemprego, como
aquela, não há sapo grande demais – todos passam pela goela.
*
As crianças, para quem viver era
um contentamento, chegaram pulando sobre um pé só e rindo suas curiosidades.
Elas tentavam descobrir o que acontecia e olhavam para o distante sopé da
colina com muita imaginação. Os diversos barulhos soavam sem nenhuma regência e
provocavam as gargalhadas de um grupo de adolescentes que ameaçava quebrar a
cancela. Dentro da guarita fechada, o telefone, aborrecido, não parava de
tocar. Começaram a chegar automóveis querendo sair, atrás de seus compromissos,
mas como a cancela estivesse abaixada, contentaram-se em ficar buzinando. As
empregadas abandonaram por instantes as crianças que conduziam para contarem
novidades umas às outras.
O rumor que subia a ladeira nos
raios do sol nunca cessava, e as pessoas perguntavam-se intrigadas o que
significava aquilo.
No portão, ninguém se identificava
e isso parecia uma liberdade, pois era um momento em que as normas não
funcionavam mais. A sensação de medo, por causa do barulho que a cidade mandava
para o alto da colina, acabava compensada pelo sentido de rompimento com a
rotina: aquele acontecimento inesperado. Os mais velhos tinham rugas
apreensivas na testa, mas as crianças e os adolescentes achavam que um mundo
todo coreografado não tinha muita graça. Apesar das diferenças, contudo, e
mesmo com o portão aberto, pedestre nenhum se atrevia a afastar-se mais do que
uns dez metros da portaria na direção da avenida porque o mundo parecia roncar
com voz irada: o longo ronco. Vigoroso. Uma das crianças afirmou que sentia o
ronco na pele e todos concordaram que ele era trepidante.
Quando chegou o senhor síndico, os
moradores sentiram-se aliviados: ele era uma autoridade. Ele ultrapassou a
cancela, que estava fechada, fazendo um pouco de esforço para abaixar-se, mas o
portão estava incorretamente aberto e um síndico não comete irregularidades.
Mal se viu na aléia que descia para a avenida, seu Renato começou a pesquisar
tudo metodicamente: olhava com a mão direito em pala sobre os olhos, escutava
com a mão esquerda em concha direcionando a orelha. E o seu Sebastião?, ele perguntou.
Ninguém respondeu porque, ao chegarem, já encontraram a portaria deserta.
Tendo observado metodicamente a
situação, o senhor síndico deu dez passos rápidos para a esquerda, voltando
sobre seus pés também rapidamente. Ele estava um pouco suado e virava muito a
cabeça como alguém que se sentisse ameaçado sem saber de onde partiria o
ataque. Continuou indo e vindo com agilidade, parando, então, para repetir os
movimentos de observação. Segundo acreditavam os moradores do Jardim, tratava-se
de uma observação científica. E essa era a principal razão de escolherem sempre
seu Renato para síndico do condomínio.
O dr. Oscar e seu prestígio
voltaram com a retina suja do que viram no sopé da colina, mas não quiseram
falar com ninguém. A testa aborrecida do dr. Oscar tinha sulcos suados e ele
ordenou aos garotos que botassem a cancela abaixo. Eles começavam a obedecer à
ordem recebida quando o senhor síndico, abandonando suas observações, voltou-se
para o bando aos berros, perguntando o que eles pensavam que estavam fazendo.
A manhã, naquele momento, começou
a perder sua claridade para que o céu se agasalhasse melhor com algumas nuvens.
Fazia um bom tempo que o orvalho tinha desaparecido, reduzindo o brilho das
folhas nas árvores. O jardim encolheu-se na sombra do dia – um modo de se
preservar.
Finalmente, com a briga abortada
pelas bondades de seu Renato, suas palavras conciliáveis e eruditas, o dr.
Oscar informou que o Sebastião, aquele moço da portaria, tinha feito algumas
anotações, lá embaixo, mesmo no pé da ladeira, e subia agora semovente a
extensão toda da avenida.
À medida que a manhã escurecia, as
crianças iam perdendo a vontade de brincar, quietas paradas, com o queixo
escorado nas mãos sobre a cancela. Algumas chegaram a pedir para voltar, mas a
gente não pode sair assim, antes que chegue alguma explicação. Uma das meninas,
a menor de todas, começou a chorar baixinho com suas lágrimas e um fio de baba
que lhe descia pelo queixo. O rosto era corado e estava aflito, seu rosto,
porque ela queria a proteção da mãe. Ali parada na portaria, não saíam tampouco
voltavam, é que era uma coisa muito difícil de entender. Por isso estava
sentindo medo. E o vento também. O vento já estava desmanchando penteados e
sacudindo a saia dos uniformes. O vento que subia pela avenida levantou uma
poeira grossa contra as crianças que não sabiam direito proteger os olhos. E a van, por que não aparece logo?
Um avental verde lançou braços
fortes e profissionais em torno da menina que chorava e a ergueu ao colo, com
as pernas penduradas. Depois de alguns beijos no rosto corado, estancaram-se as
lágrimas e a baba refluiu.
Então o vento virou e ninguém,
além das crianças, percebeu aquela esperteza: ele buscava outras feições. E o
resultado que todos sentiram de imediato foi a diminuição do alarido. Na mesma
hora os moradores tiveram a impressão de que o rumor desistia de existir e por
isso mostraram muitos sorrisos de augúrios dos melhores, crentes de que o mundo
voltava a ser um lugar habitável.
O senhor síndico, entre todos, era
o mais feliz com a diminuição do rumor, pois não precisava mais considerar seu
mandato ameaçado. Com a voz e os gestos muito vivos e exaltados ele agredia um
pouco a irritação do dr. Oscar, mas lembrou-se a tempo de que ele mesmo era
pura razão e conteve em limites aceitáveis aquelas manifestações emocionais.
Abandonou o grupo e, com passo rápido, desceu vinte metros na direção da avenida.
– Até que enfim, seu Sebastião!
*
Quem primeiro o viu suando dentro
de seu uniforme cáqui, foi o senhor síndico, e o que ele pensou todos pensaram
ao mesmo tempo e sem terem combinado nada: que Sebastião vinha voando sozinho,
com seus próprios recursos, ele mesmo, no ar. Por trás dele vinha uma brisa
nova, que acabava de chegar, por isso os passos de Sebastião pareciam soltos,
passos a esmo.
Antes de completar a subida, Sebastião
gritou: O cheiro!
O cheiro que chegou trazido pela
brisa era sem uma cor definida, porque era invisivelmente marrom, mas causou
asco e embrulhou o estômago dos moradores; um cheiro de coisa morta ou mortiça.
Um cheiro de morte. Fedor. O dr. Oscar fechou novamente os vidros do carro e
respirou sozinho o ar puro que mantinha estocado no carro, em seu espaço livre
de muitos pés cúbicos. Os donos dos outros carros imitaram o dr. Oscar, porque,
além de seu dinheiro, ele contava com grande prestígio entre os condôminos. Os
demais, que estavam pedestres, deformaram o rosto com esgares e contrações para
expressar com bastante ênfase o quanto aquele fedor era asqueroso.
Seu Renato carregou seu
funcionário para o interior da portaria, pois queria evitar que o relatório de
Sebastião virasse boato no Jardim Europa. Fica muito difícil separar o que é do
que não é, quando uma notícia começa a repercutir de mau jeito.
Encerrados na portaria de vidro
fosco, sentados em frente um ao outro e tocando-se apenas com as pontas dos
olhos, seu Renato faria Sebastião jurar que apenas revelaria ao público aquilo
que lhe fosse permitido. A verdade, seu Sebastião, muitas vezes a verdade pode
causar mais mal do que bem. Nós, os dirigentes, temos o dever de administrar a
verdade, entendeu, seu Sebastião?
Ele mesmo, o senhor síndico, havia
atendido aos apelos nervosos do telefone, dizendo que mais tarde todos seriam
informados de maneira completa a respeito de tudo que estava acontecendo. E
despediu-se mesmo sem saber de que o outro lado da linha necessitava com tanta
urgência. O momento era de se deixar conduzir pelo ponteiro das suposições, e
notícias, claro, só depois do relatório.
Sebastião, de certa forma
discípulo de seu Renato, organizou logicamente o pensamento e procurou um tom
de impassibilidade para apresentar seu relatório. Que, obedecendo a ordens do
senhor síndico, por telefone, abandonara seu posto e descera até o início da
avenida, na baixada, onde encontrou aglomerada uma multidão de pessoas de uma
cor quase indefinível, uma pele parda, olhos e cabelos escuros. Ainda que,
observara surpreso o aumento constante daquela multidão, como se brotassem das
valetas, de cavernas e buracos, dos esgotos da cidade. Formavam uma barreira de
carne, muralha pardacenta em atitude agressiva. Mais uma vez que, descobrira
tratar-se de uma barreira intransponível, razão suficiente para não entrar nem
sair ninguém em suas diárias e normais atividades. Finalmente que, olhavam para
cima, para o alto da colina, com olhos de muita fome.
Seu clamor com seu fedor, terminou
Sebastião, carregados pelo vento, já chegaram até aqui.
O síndico abriu a porta e jogou
olhar grave por cima da pequena multidão que aguardava notícias por perto da
portaria. Que fossem todos para casa. O caso não admitia falar em perigo, mas,
por enquanto, era melhor ninguém abandonar a proteção dos muros do condomínio.
E que mantivessem a calma. Ele mesmo, auxiliado pelo guarda, seu Sebastião,
manteria um programa de informações por telefone.
Alguns automóveis, os que pretendiam
sair, manobraram com barulho irritado para voltar. O carro de dr. Oscar não era
mais visto por ali, pois a cancela fora erguida logo depois da entrada do
senhor síndico e seu funcionário no cubículo da portaria. As empregadas,
sobretudo as que pedagogeavam, despediram-se felizes com a oportunidade de
participar de uma aventura. O grupo dissolveu-se e, mesmo os adolescentes, cuja
coragem confundia-se com imprudência, desistiram de verificar o que realmente
acontecia lá embaixo, no início da avenida.
A portaria ficou deserta pelo lado
de fora, por onde apenas um vento escuro passava com seu cheiro nauseante. Do
lado de dentro, o senhor síndico traçava planos, com mapas e compassos,
auxiliado por seu funcionário.
Na primeira pausa, elaborado o
Plano A, o porteiro avisou que estava quase desmaiando, de fome e de sono. Uma
afirmação assim tão humanamente inesperada assustou o síndico que precisou
ouvir as razões de Sebastião para ordenar um café reforçado, com pão, queijo e
geléia, além de um comprimido de qualquer estimulante. Porque o substituto, o
diurno, era provável que estivesse retido na barreira humana.
*
Depois de ficar sozinho na
guarita, como todos pensavam que era sua preferência de viver, Sebastião, que
tinha falado em desmaiar de sono apenas por esperteza preventiva, ficou algum
tempo reparando no dia do lado de fora. Os vidros da portaria obrigavam o
porteiro a ver um mundo esverdeado, mais escuro do que ele é na realidade, como
se estivesse à beira de um anoitecer. Então Sebastião abriu um dos vidros e por
ele continuou a espiar, querendo entender a manhã, porque uma cor suja descia
sobre a colina, como um orvalho e seus rumores.
Olhando para fora, o mundo,
Sebastião descobriu finalmente que é preciso bastante esforço e educação dos
sentidos para captar o exterior. Às vezes ele parece uma significação: redonda.
Às vezes se parece com uma interrogação vermelha – movediço. Ao desentranhar as
mãos do barro, do fundo, ele sabia o sofrimento de suas unhas, o quanto não
traziam nada. Mas era um sofrimento sem expressão, silencioso. Por isso a
teimosia de Sebastião, tentando ler-se ao ler o mundo, a colheita. Ele ainda
não conhecia a necessidade de ultrapassar o estado bruto, o ser-em-si,
adormecido mas existente em seu interior.
Rosa chegou clandestina, de pés
macios, e pendurou o sorriso no vão do vidro aberto por onde Sebastião tentava
descobrir a cor verdadeira do mundo. E o sorriso de Rosa, como um painel,
fechava aquela abertura para o exterior. Os patrões tinham sido convocados e
saíram com pressa. Os moradores reuniam-se para ouvir novidades, então tinha
aproveitado para passear pelas redondezas.
– Mas você não tem medo deste
burburinho?
Rosa sorriu desta vez com os
dentes todos e com os dois olhos. Que não, medo nenhum, pois conhecia o rumor
em cada um de seus detalhes. Este mesmo rumor. Sim, morava no Jardim, mas uma
vez por semana visitava parentes para levar algum dinheiro a eles.
Ela não conhecia a vida de
Sebastião fora dos muros, nem isso a impressionava de qualquer maneira. Sozinha,
com sua vida na palma da mão, Rosa não perdia oportunidade de estar junto,
contanto que fosse escolha do momento, sem nada que a pudesse amarrar. Aceitou
o convite e entrou para a escura proteção da guarita com o sorriso inteiramente
exposto.
Aquilo uma sede, a busca das
bocas, o descompasso da respiração? O
porteiro estava maravilhado com a resposta de seus instintos, raramente com
tamanha saúde. Por isso, ao beijar o pescoço de Rosa, arriscou mordê-la de
leve, canibal. A mão da mulher, que cega buscava a própria fonte do prazer,
voltou-se ansiosa para o botão que mantinha sua calça presa à cintura.
A cena amorosa de poucos requintes
no espaço exíguo da portaria foi interrompida pelo toque irritado do telefone.
Pela súbita mudança de atitude de Sebastião ao levantar o aparelho, o peito
estufado, os ombros e o queixo erguidos, era possível presumir o chefe na outra
ponta da linha. O senhor síndico queria saber. Sua voz tinha uma estridência
que denunciava algum desassossego. Por que o vozerio vinha aumentando tanto?
Pois então que investigasse. Imediatamente.
Sebastião argumentou que passara a
noite em vigília e só tinha recebido uma pequena ração de pão com manteiga e
geléia, com uma xícara de café. O senhor síndico perguntou-lhe, querendo ser
irônico, de onde o porteiro tirava, em um momento tão grave, a calma para
pensar em comida e sono. A ironia estragou-se com a elevação final da voz, que
mesmo Rosa, folheando uma revista de pecuária, conseguiu ouvir com toda
clareza.
Imediatamente é uma ordem que não
se deve discutir.
Desenrolando-se aos poucos, lento
de pé, o porteiro emergiu-se: a cabeça erguida e os ouvidos atentos. Era um
desconforto tão áspero a perturbar seu orgulho que até a porta rangeu para se
deixar abrir.
– Me espere aqui – Sebastião recomendou
saindo – preciso investigar o que anda acontecendo.
O semblante anoitecido de
tristeza, o porteiro desceu a avenida sentindo-se inacabado.
*
– Peraí, peraí, peraí, seu Sebastião! Repita o que o senhor está me
dizendo.
E Sebastião, de humor prejudicado com o desaparecimento de Rosa, começou
novamente o relato do que tinha visto e ouvido: Impossível calcular quantos:
multidão compacta, muralha. Todos eles com a mesma fisionomia parda. Como se
estivessem grudados uns nos outros, uma coisa só. Às vezes, sim. Às vezes um
grupo pequeno começa a gritaria e em seguida o alarido inunda a baixada
inteira. Sim, senhor. Eles erguem o olhar para o condomínio com muita exigência
de comida.
Os dentes de Sebastião ainda mordiam sílabas, por isso ele gaguejava, com
vontade mesmo de não relatar mais nada. Chegou a pensar que deveria recusar-se
à continuação daquele relato, mas podia prever o medo na voz do chefe:
necessidade urgente de seu orgulho arranhado. Sim senhor, seu Renato, eles
sobem devagar mal movendo-se, e agora estão parados mais ou menos na metade da
ladeira. Daqui já se pode ver a mancha parda cobrindo a avenida.
Não foi propriamente uma voz o que o
porteiro ouviu como resposta, uma voz humana. Sua impressão foi de alguma coisa
raspando em aspereza, rasgando, um vagido, som gemente e chiado, um som que se
fina sem melodia. E ele calou-se, esperando, porque não entendeu o que aquilo
significava.
A partir daquela interrupção brutal e fria, quando se sentia prestes a
provar o gosto de Rosa, Sebastião começou a fermentar um rancor, que era seu
desejo de ser, de ter sua vida própria garantida, sem necessidade de mãos que o
dirigissem. Então, como um ser existente, inteiro, deixou que sua risada
vertesse para o bocal do telefone. Depois de rir toda sua raiva, pôs-se à
escuta, tentando entender, mas só ouvia o arfar de uma respiração asmática, que
não lhe dizia grande coisa.
Por fim, vindo do fundo da
escuridão, chegou seu nome balbuciado com insegurança, quase tropeçado. E a
pergunta inesperada: se já tinha chamado a polícia. Ele, seu Renato, o síndico
sempre atento aos métodos, mas principalmente às burocracias do poder,
infringindo o regulamento. Mas como, seu Renato, pois o senhor sabe melhor do
que ninguém que tal procedimento é de sua exclusiva competência. Acabou de
falar com os olhos já arregalados e arrependidos daquele excesso de coragem. Só
mesmo um dia excepcional para ousar uma tal repreensão.
Já refeito do susto inicial,
reagindo, a voz do chefe cresceu imensa para dizer que então estava autorizado
a pedir socorro. Imediatamente. E o clique metálico interrompeu repentino
aquela conversa doente.
*
– Tudo sob controle, madame. Sim,
sim. Pode ficar sossegada.
A demora foi causada pelo
congestionamento do telefone. Todos tinham a mesma necessidade de algumas
palavras com que apaziguar o espírito e a família. A mesma necessidade e na
mesma hora. Quando por fim conseguiu ligar para o senhor síndico, teve de
explicar que todos ligaram ao mesmo tempo. Sim, tinha telefonado para a polícia
imediatamente. Como fora ordenado. Sim, seu Renato, mas era impossível ligar
porque o telefone não parava, sim, congestionamento. Tudo sob controle. Segundo
o que haviam combinado: tudo sob controle. Os moradores? Aparentemente
satisfeitos. Sim. A polícia? Impossível qualquer intervenção de socorro, pois
se eles também barrados pela multidão: os caminhos fechados.
Desta vez o que ouviu foi
realmente um gemido. Um som cavo como se o último alento estivesse abandonando
o peito do senhor síndico. O som de um animal ferido, imobilizado, que se
contorce como única reação possível. Um ronco produzido pela caixa do corpo,
sem nenhum controle.
Sebastião levantou-se com sua fome
no colo, tentando escapar da má impressão daquele telefonema. Estava disposto a
ficar de vigia sobre o canteiro de grama que marcava o fim da avenida, um bom
observatório. O dia continuava escuro, sem, contudo, ameaça de chuva. Apesar de
escuro, era um dia longo e quente. Mas o que poderia fazer ali, a não ser
transmitir lá para dentro informações sobre a evolução dos acontecimentos?
Estava cansado e o sono endurecia sua cabeça de uma forma que ela parecia pesada.
E vazia. Não só de pensamentos, de soluções, ela estava vazia, mas também de
vontade. O sono é o peso do oco – Sebastião andou perto de concluir quando
pisou a grama.
À visão da imensa mancha parda
formando um horizonte, um outro, que dividia em duas a ladeira, na testa do
porteiro apareceram perguntas sem clareza, umas perguntas que pareciam sonhos
já velhos, meio imprestáveis. E elas se resumiam na impossibilidade de
encontrar uma resposta clara para o significado de tudo aquilo. Então, como
sentisse o vazio dentro de sua cabeça, fechou os olhos, primeiro apenas com as
pálpebras, em seguida, porém, com a testa contraída: uma dor quase aparente. A
idéia concebida com esforço não era propriamente uma resposta, mas uma espécie
de lembrança, ou a sensação de uma lembrança muito antiga. Parece que estivera
sempre esperando o ataque ao condomínio, mesmo sem saber que esperava e que o
ataque era possível. Por isso aquele sentimento constante de que alguma coisa
lhe fugia?
– O telefone, Bastião!
A voz vinha da guarita, uma voz
vizinha, nítida melodiosa, e Sebastião virou-se rápido para descobrir que Rosa
o chamava. E descobriu. Ela passava dobrada
por baixo da cancela.
Ao vê-la dobrada, com os redondos
do corpo realçados pela posição, o porteiro teve ímpetos de desobedecer às
normas, de não atender ao telefone, de arrastar Rosa para obscuros recantos do
jardim. Mais uma vez, entretanto, venceu a voz do treinador, que ensinara-lhe
as bases da responsabilidade.
Sebastião correu para o telefone e
respondeu que tudo sob controle, madame, sim, sim, pode ficar sossegada.
Na porta, o rosto de Rosa sorria
malicioso. “Pode ficar sossegada”, ela repetiu com voz ganida e cheia de
chique. E a conivência descoberta no olhar trocado foi o modo que encontraram
de ficar contentes. Um com o outro: havia promessas a cumprir. Antes, porém,
Rosa tinha relatos que trazia lá do interior do condomínio. Além de um lanche e
da garrafa com café.
Sebastião comia devagar, sem
barulho, para não atrapalhar o relatório de Rosa, que ele ouvia sem saber que
semblante escolhia: de luz radiosa – pendor atávico; ou sombra e medo,
adquiridos no período de treinamento.
Em todas as casas pregam-se portas
e janelas, cravam-se cravos e arrocham-se parafusos. Os moradores. Isso, desde
a informação de que a polícia nada poderia fazer por eles. O pânico. E choram
apavorados. Alguns começaram a vedação de todas as frestas com fitas adesivas,
deixando apenas pequenos orifícios para a renovação do ar. Não suportam mais o
mau cheiro e os gritos. Eles todos entre o vômito e a loucura.
Apesar de escuro, era um dia longo
e quente. Mal passava do meio-dia quando Sebastião limpou a boca nas costas da
mão. Levantou-se de olhar aceso pedindo a continuação da cena de lascívia
interrompida. Rosa retirou o fone do pino e fez gesto ameaçando jogá-lo pela
janela, mas apenas soltou uma gargalhada, ela, com seus redondos, pulsando de
desejo. No jardim, Rosa propôs, que ninguém vai sair de casa a uma hora dessas.
Atrás de uma sebe de murtas e
ligustros, peças de roupa voaram como pássaros famintos, pousando nos galhos
dos arbustos. De muito longe, ouviam-se marteladas e aquele ruído seco, o
guincho das furadeiras. De muito longe. Eram ruídos que já não lhes diziam nada
debaixo do céu escuro, porque pareciam vir do outro lado do rio.
Enquanto se vestiam, Rosa,
deliciada, contou ainda que, em seu pânico, muitas mulheres e crianças diziam
ter visto cabeças pardas por cima do muro, sentindo-se de intimidade devassada
por olhos sujos. Seu Renato ordenou aos filhos que telefonassem para todos os
representantes do conselho, convocando uma assembléia imediata. A ninguém é
permitido faltar. O síndico obrigou os filhos a repetirem a frase final para
que saísse perfeita. E eles repetiram: a ninguém é permitido faltar.
*
O sono, depois que Rosa
desapareceu entre árvores e arbustos, rondou Sebastião por algum tempo até
encontrar o momento certo de atacar. Ele acabava de ocupar sua cadeira na
portaria quando a cabeça pendeu de sua altura e pendeu e caiu em cima do braço
estendido sobre a mesa. Antes de se entregar, contudo, e em mordida de remorso,
um lampejo, recolocara o fone em seu lugar.
Um sono total, absoluto, Sebastião
só conhecia em casa, na baixada, bem longe do movimento. Em geral, apagava-se
até o meio-dia, uma hora, quando farto refeito levantava-se para almoçar. Se
sonhava ou o que sonhava durante as horas de repouso era coisa que não sabia.
Nunca se lembrava de um sonho que tivesse tido. E até pensava que assim estava
melhor: os sonhos podem perturbar a mente.
Na portaria, Sebastião tinha
aprendido a dormir um sono relativo, em que alguns dos sentidos mantinham-se
ligados, à espera de qualquer sinal. O mais atento dos sentidos era sua
audição. Estava sempre pronto a levantar a cabaça se ouvisse o retinir do telefone
ou da campainha, a buzina de um carro.
Pela boca aberta, de lábios soltos
e túmidos, passava o ruído da respiração. Em poucos minutos seu rosto todo se
arredondou, inchado, e um fio de baba escorreu-lhe sobre a manga do uniforme. O
porteiro e seu corpo embrutecido dormiam o cansaço inteiro daquela manhã de
barulho e medo, mas também de lascívia e prazer.
As cores que Sebastião levava dentro
dos olhos para o sono eram as cores da saudade: o azul e o branco, ao fundo,
borrifados de amarelo. O dia escuro, o céu coberto de nuvens, isso tudo fazia
parte da fraude desde sempre imposta aos admitidos. O porteiro ainda não
conhecia os ventos e suas direções, mas começava a sentir-se incomodado dentro
daquele corpo treinado para a obediência.
Os primeiros toques do telefone
dissolveram-se ao longe em algum sonho que jamais seria lembrado. Mas eles
vieram crescendo, cada vez mais perto, até rebentarem ali mesmo, ao alcance de
seus ouvidos. Sebastião ergueu primeiro o corpo para então ajeitar a cabeça
perpendicular ao pescoço. Completamente perdido, olhou assustado para o relógio
ponto, tentando situar-se. Passava já das duas horas da tarde e somente esse
fato poderia justificar a demora do encarregado do período noturno para atender
ao telefone. Estufou o peito, marcial, antes de levar o aparelho ao
ouvido.
A assembléia dos moradores do
Condomínio Jardim Europa, por intermédio do senhor síndico, exigia um relatório
imediato da situação. Então ficaram sabendo que a barreira não tinha avançado
mais que uns trinta metros. Ótimo. Não, as pretensões deles continuavam
desconhecidas. Claro, medo do contato direto. Mas tinha como descobrir tudo em
poucos minutos. Pois então que aguardassem. Sim, o telefone do salão de festas.
Correto. Por cima do muro? Não, não tinha visto nada. Não, cabeça nenhuma. Se
tinha ligado a cerca elétrica? Sebastião disse que sim, que a cerca estivera
ligada desde o início da noite anterior. Fez uma pausa. Mas o senhor, seu
Renato, não acha que a cerca só funciona em caso de invasão individual? Muito
mais barulho que o alarme da cerca, faz o povo gritando, seu Renato. E a
polícia, o senhor sabe, não consegue furar o bloqueio.
A voz do senhor síndico chegou um
pouco suada de assombro, mas exigente, querendo que o funcionário investigasse
logo as razões daquela gente parda.
Na terceira tentativa, Sebastião
encontrou Rosa em casa das proximidades e pediu-lhe que viesse ajudá-lo, mas com
urgência, entendeu? Missão arriscada.
Ao saber do que se tratava, Rosa
sacudiu os peitos de riso. Missão arriscada, Sebastião?! Então falar com meu
povo é arriscado? E balançando as ancas, contente pela incumbência, a doméstica
desceu ao encontro da muralha humana, aquela faixa parda na paisagem.
Coisa extraordinária, pensava o
porteiro, enquanto olhava por trás os volumes de Rosa, que um dia com tudo para
entrar na história como o dia do Grande Desastre, para ele, como indivíduo,
podia ser considerado o dia da Grande Sorte. Tão grande era seu contentamento
que aquele início de tarde começou a clarear debaixo de um Sol soberbo.
Sebastião levantou-se em toda sua altura e abandonou o cubículo da portaria
porque seu princípio de felicidade precisava de mais ar. Aproveitou para fechar
o portão, lembrando-se de que a cancela, como obstáculo, só funciona em
situações de normalidade. Espremeu os olhos para ver longe, mas Rosa tinha
desaparecido, diluída na mancha escura.
*
Mas Sebastião não estava preparado
para uma alegria duradoura. Ele mesmo, sem que ninguém o induzisse a isso,
começava a desconfiar do excesso de sorte que tivera naquele dia: cair-lhe Rosa
nos braços sem que tivesse feito esforço algum para isso. Agora o clamor que se
levantava do condomínio fazia contraponto com o outro, o que subia pela
avenida. Pelo telefone, os moradores todos acabaram sendo informados de que nem
tudo estava sob controle. Aquela convocação de uma assembléia extraordinária,
apesar de toda discrição tentada pelo senhor síndico, tinha acabado de
deflagrar a desconfiança dos moradores. Dava-se crédito a todas as versões que
andavam correndo sem freios pelos fios. Ninguém mais sabia os limites entre
real e imaginário. Era o início do pânico e os gritos de pavor que se cruzavam
no ar tinham as mais diversas idades.
O encarregado pelo turno da noite
já desistira de se orientar pelo relógio ponto. O que seu mostrador poderia
ainda dizer já nada mais significava para ele. A ruptura com as principais
normas dentro das quais conhecia suas medidas, abolia também os ciclos do
tempo, quem sabe até a rigidez da hierarquia. Nem por isso, entretanto, deixava
de se comover com aquele clamor aterrorizado. Terminou de chavear o portão e
deu alguns passos na ruela que o separava do gramado. O sol continuava
queimando a pele e Sebastião abrigou-se à sombra esguia de uma tuia-azul. Ali
ele decidiu esperar pelo retorno de Rosa. Então ousou a primeira infração:
sentou-se na grama com a liberdade de um autêntico morador. Sebastião esmagou
entre os dedos a ponta de um ramo da tuia e o levou às narinas. Era um cheiro
frio e intenso, o cheiro de madeira da tuia, e a Sebastião pareceu ter alguma
coisa de selvagem, por isso deixou que o penetrasse até os pulmões, sentiu-o
percorrer todas as veias, visitando-lhe a umidade quente do corpo.
Sebastião estava sentado na grama,
e seu rosto não expressava qualquer sentimento, mas parecia cansado, com
manchas roxas por baixo dos olhos. Os gritos que, momentos antes, haviam-no
perturbado tornaram-se quase inaudíveis. Ele realmente não sentia nada,
embrutecido pelo cansaço, pela falta de banho e pela fome. Quando o telefone
começou a tocar na guarita, Sebastião ficou em dúvida: podia ser apenas a
memória de outros toques, podia ser um telefone tocando em alguma das casas
mais próximas. Ele jogou o corpo todo na grama, denso, e dormiu.
O sorriso de Rosa ocupava todo seu
rosto e estava no alto, encostado no azul, quando Sebastião abriu os olhos. Ela
chegou sorrateira, sem dizer nada, mas sorria, e o porteiro, mesmo dormindo,
sentiu a proximidade da mulher. Suas pálpebras fecharam, lentas, novamente os
olhos, que demoraram para abrir-se àquela claridade crua. Deitado com a metade
superior do corpo à sombra da tuia, a vida começava um capítulo novo, diferente,
e Sebastião sentiu que já não era a mesma pessoa das normas decoradas no treinamento.
O que viria a ser, bem, no mundo móvel, como o encontrava agora, era difícil
imaginar o dia seguinte, como se dia seguinte fosse uma invenção das
palavras.
Aberto no peito, o dólmã do
uniforme de porteiro, Sebastião levantou-se e começou a abotoá-lo, pois agora
se tratava da missão de que fora incumbido. Antes de entrarem na portaria, Rosa
reteve o porteiro pelo braço e apontou para o cinturão que cortava a avenida,
aquela nuvem. Olhe bem, ela disse com voz severa, eles avançam devagar, mas não
param.
*
O que se ouve entre os pardos
(Sebastião pronunciava cada palavra dando-lhe peso profético), o que se ouve
entre eles, é que lá fora a vida anda muito difícil. Que o condomínio, seu
Renato, é o melhor lugar para se viver.
Depois de ouvir o relato de Rosa,
o porteiro discou o número do salão de festas e o próprio síndico foi quem
atendeu. Como fundo, ouvia-se a zoeira dos moradores em assembléia: gargalhadas
histéricas, gritos e gemidos, palavrões ameaçadores. É da portaria, gritou o
senhor síndico, e subitamente um silêncio de morte desabou sobre o telefone. O
presidente da assembléia, seu Renato, repetiu para o povo reunido as palavras
que acabava de ouvir. O alarido retornou mais violento do que antes.
Como?, gritou Sebastião porque não
conseguia entender o que lhe dizia o senhor síndico. Então teve a impressão de
vê-lo gesticulando com a largura de seus braços pedindo silêncio. Não, seu
Renato, não foi possível porque eles não têm chefe. Como é que pode? Não sei,
não senhor. Não sei como é que pode, mas eles agem cada um por sua própria
conta. Sim, sim, alguns metros a mais.
Depois das últimas palavras (que o
síndico repetiu para a assembléia), foi tamanha a balbúrdia, e por tanto tempo,
que Sebastião decidiu desligar o telefone. Seu rosto, pelo menos a parte do
rosto que a barba espessa e crescida não escondia, estava entre pálido e pardo.
O suor da testa escorria e infiltrava-se pela barba, então Rosa, que deixara o
corpo colado no porteiro e ouvia tudo com atenção, usou um dos guardanapos que
trouxera com o lanche para limpar o rosto do amigo.
De um banho, é disso que eu
preciso. E a voz do porteiro não lhe escondeu o sofrimento.
O primeiro beijo não ultrapassou
os lábios – um beijo dos lábios. A partir do segundo, entretanto, os músculos
reagiram, as mãos se movimentaram e um calor grosso precipitou-se na corrente
sangüínea. Pouco passava das três horas da tarde e o dia confundia-se com a
noite, como se o tempo estivesse suspenso, como se nem o presente fosse para os
dois uma experiência de que pudessem formar conceito muito claro. Confiavam na
sede que os abrasava e no medo dos moradores, que se refugiavam em suas
casas.
Berenice anunciou-se apressada com
as batidas frenéticas de uma moeda no vidro da portaria. Seu ar era de espanto
e ela dizia qualquer coisa, porque movia os lábios sem produzir som que
penetrasse na guarita.
Ela perguntava se eles tinham
visto alguma coisa. Foi o que os dois ouviram quando finalmente saíram para o
dia. Mas que coisa? Berenice contou que estava servindo o café aos moradores em
assembléia, quando irrompeu no salão a velhinha, esposa do dr. ... aquele, o
rei do carvão, é, isso mesmo, o dr. Alencastro. Ela já era feia, com seu cabelo
de palha seca, os olhos grandes demais e a boca chupada para dentro por baixo
do nariz de bruxa, mas vinha deformada pelo medo. Seu marido tinha visto alguns
dos pardos pulando o muro e mais tarde ficou sabendo que tinham estuprado
aquelas duas loirinhas, as filhas dos noruegueses, elas ainda com o uniforme da
escola, descuidadas, brincando no jardim. Ao lado de sua casa, parece que no
sobrado dos Santillana, ouviram gritos de terror e viram em seguida um homem
sair com um punhal ensangüentado na mão. E contou ainda outras barbaridades e
agora o partido favorável ao morticínio ganhou muitos adeptos. Já é a maioria.
A assembléia deliberou pela autodefesa e começaram a requisitar todas as armas
pesadas disponíveis, que não são poucas.
Com um olhar inteiramente estúpido,
Berenice percebia a indiferença com que os dois ouviam seu relato, como se nada
mais existisse no mundo além deles dois. Os disfarces, com sorriso imóvel e
quebradiço, as mãos contando os dedos, nada funcionava.
– Então vocês aqui o tempo todo e não
viram nada?!
Sua insinuação intencional não os
pegou desprevenidos. Olhaqui, Berenice, e foi Rosa quem falou, por serem
íntimas as duas, ninguém da baixada chegou a menos de cem metros daqui até
agora. Não seja tola de acreditar no delírio daquele casal, que o medo apodrece
a verdade.
Berenice afastou-se até o gramado,
binóculo a tiracolo, para examinar a parte externa do muro, por onde
acreditavam iniciada a invasão. Virou-se para a avenida a tempo de assistir
quase deslumbrada à parábola riscada a fogo no céu, e seu primeiro efeito.
Rosa e Sebastião se abraçaram
apavorados, perguntando-se é assim?, mas então é assim? E como nenhum dos dois
conseguisse imaginar uma resposta, continuavam repetindo a pergunta. Fração de
segundo depois, Berenice gemeu: Meu Deus, cinco, seis mortos.
Sebastião correu até à guarita e
discou o número do salão de festas. Ninguém mais respondia e ele entendeu que a
guerra tinha começado.
Mas então não seria possível outra
solução? Tentou o telefone da casa do chefe e mais uma vez não obteve resposta.
Gritou alguma coisa para as duas mulheres, que observavam impotentes o
espetáculo de brutalidade, e disparou rápido por entre as árvores e os arbustos
que escondiam as casas do condomínio. Pelo trajeto do canhonaço, ele havia sido
disparado de algum lugar não muito distante do ponto mais elevado do outeiro.
*
Até encontrar os artilheiros, enquanto
escalava a ladeira abrupta dentro de seu uniforme grosso e quente, Sebastião
assistiu à passagem de mais três petardos: riscos de fogo na placidez do céu
azul, para onde o cheiro forte de carne assada atraía novamente um rebanho de
nuvens escuras e famintas.
Com seu uniforme de campanha, um
uniforme cartesiano coberto de medalhas, o capitão Renato comandava as ações
bélicas. De onde estavam, era impossível avistar a barreira dos futuros
invasores, que uma dobra do terreno escondia. Apenas na tela de um pequeno
aparelho de televisão, ligado à câmera da portaria, narravam-se os fatos do
exterior. Nem por isso os soldados improvisados deixavam de portar binóculos a
tiracolo. O síndico, em sua prancheta, observava ângulos e distâncias, a seguir
desenvolvia cálculos trigonométricos que dirigiam seus projéteis.
Então é assim, seu Renato,
gritou-lhe o porteiro quase dentro do ouvido, não existe outro recurso? Tem
gente morrendo lá embaixo, seu Renato.
Muito marcial, o comandante
ordenou que Sebastião voltasse para seu posto e deixasse de encher o saco. Ah,
sim, e ligasse para o número de seu celular informando tudo o que acontecia do
lado de fora. Sebastião ainda relutou entre cumprir ou não as ordens recebidas,
mas foi ameaçado de uma corte marcial, uma corte cujo significado ele desconhecia,
e que lhe soava como alguma coisa muito grave. Então juntou seu desespero e
desceu tão rápido e tão suado quanto subira.
Foi saudado de longe pelos gritos
alegres das mulheres que tinha deixado tomando conta da portaria. Veja, elas
gritavam, venha ver! E davam pulos sacudindo o binóculo. Aquilo era uma festa?
Sebastião arrumou-se por trás do
binóculo e não conseguiu ver a razão da alegria das mulheres. Então passou novo
projétil sibilando no ar já um pouco enfumaçado e ele entendeu: Quando o
petardo batia no chão, depois de derrubar maia dúzia dos pardos, abria uma
cratera de tamanho de uma casa. Em poucos segundos, uma dúzia de novos
indivíduos, nascidos da terra como cogumelos, saíam do buraco e colocavam-se ao
lado dos companheiros. A barreira humana, quando eles se alinhavam, andava
alguns metros e parava.
Sebastião correu à portaria e
discou o número do celular do senhor síndico, agora Capitão Renato. Eles se
multiplicam, ele gritou, cada canhonaço de vocês aumenta o número dos pardos.
Parem logo com isso, ordenou Sebastião, com voz encorpada, possante. Vocês não
estão vendo que só complicam a situação?
*
O Capitão Renato, sentindo-se
inteiramente síndico outra vez, propôs nova assembléia. Havia profundos sinais
de cansaço em suas faces e sua testa. Ele passou a mão no rosto como se
quisesse acordar de um pesadelo. E como não encontrasse oposição entre seus
soldados nem respostas a suas inquietações, em rigorosa fila indiana,
dirigiram-se todos para o salão de festas.
Reinstalada a assembléia
permanente, como foi declarada, fez-se profundo silêncio. Os moradores estavam
esgotados, sem forças até mesmo para o desespero.
– Alguém pode dar alguma sugestão?
Sozinho atrás da pequena mesa
coberta por uma toalha branca, o senhor síndico estava sozinho, porque os
representantes dos moradores, imóveis, sonhavam com milagres, com o surgimento
de um líder poderoso que os conduzisse à outra margem do rio. No rosto de
alguns deles, viam-se lágrimas quentes, que brotavam silenciosas e silenciosas
escorriam-lhes pelo rosto. Em seus olhos parados podiam-se descobrir paisagens
campestres, rebanhos de ovelhas dóceis e amigas, árvores frutíferas, manchas de
sombra em cuja relva dançavam jovens descalços.
– Ninguém diz nada?
Um ex-soldado entrou com um
pequeno aparelho de televisão e o colocou sobre a mesa. Estendeu o cabo até a
parede, então uma imagem cinza moveu-se na tela. Moveu-se estilhaça em muitos
fragmentos para então se fixar em uma paisagem conhecida: as proximidades da
portaria. A rua, o gramado fronteiro, um pedaço de muro e um canto da guarita.
Seu Renato então, para ganhar tempo,
propôs que algum dos presentes, um voluntário, fosse até a portaria, de onde,
movendo a câmera, poderia mostrar os acontecimentos em tempo real. Com base no
que vissem, tomariam a decisão mais adequada. Como ninguém se apresentasse para
a tarefa, o senhor síndico apontou o dr. Oscar, em virtude de seu prestígio e
da confiança que os demais moradores depositavam nele.
– Quem estiver de acordo permaneça
como está.
Como ninguém se mexesse, o senhor
síndico teve apenas o trabalho de contar as pessoas que permaneciam sentadas
para então anunciar que, por sessenta e sete votos a zero, sua sugestão acabava
de ser aprovada.
A cena fixa na tela do pequeno
televisor, a partir do momento em que o dr. Oscar se retirou, passou a ser o
único sinal de vida no salão. Mesmo os olhos grudados na tela, olhos imensos
redondos, estavam opacos, sem nenhuma vibração. Quando já parecia impossível
qualquer gesto, o senhor síndico teve a idéia de ligar para o telefone da portaria
em busca de notícias. Com o celular grudado ao ouvido, seu Renato, estatuado,
esperou o desligamento automático. Ninguém respondia.
– O senhor acaba de perder meu
voto.
A voz chegou por trás, de muito
perto, e o senhor síndico virou-se rapidamente para encontrar os olhos de dona
Leonor. Idéia infeliz, ela acrescentou, escolher justamente meu marido. Pensei
nele por ser o primeiro, o mais rico e o mais corajoso. Tenho certeza de que
ele, esteja onde estiver, vai descobrir uma solução. De mais a mais, interrompeu
dona Leonor, que não fazia questão de ouvir as ponderações de seu Renato, já é
quase noite e o senhor não resolveu coisíssima nenhuma. Coisíssima nenhuma,
entendeu?, ela declamou meio histérica para a platéia de moradores, que não
tiveram a menor reação. E seu dedo, que teso riscara o ar nas imediações do
rosto do senhor síndico, tombou flácido rente ao corpo de dona Leonor.
Então, na frente de todos aqueles
olhos imóveis, a imagem luminosa da telinha moveu-se. Primeiro ela tremeu doida
brusca, em seguida, entretanto, começou a mover-se lenta, guiada por alguma
lógica e todos entenderam que o dr. Oscar, agora, estava por trás da câmera.
Ele deu um close no portão e na cancela abertos, dirigiu-se para a porta da
guarita, cujo interior deserto entrou silencioso pelas lentes e foi saltar à vista
dos moradores em
assembléia. Voltou-se para a frente do portão, onde uma folha
de jornal era empurrada pelo vento e um tufo seco de capim arrastava-se com
dificuldade. Folhas de árvore dançavam na rua fronteiriça à portaria e a câmera
foi subindo, sem pressa, até invadir o gramado, no momento mesmo em que a
barreira de pardos parou sobre o canteiro, por trás de uma tuia-azul. Já era
noite, e foi com alguma dificuldade que os moradores do Condomínio Jardim
Europa conseguiram identificar Sebastião e as duas mulheres, os admitidos,
entre os temidos invasores.
***
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