O jornal Celulose Online publica a terceira parte do texto
de Menalton Braff sobre Literatura. A primeira parte foi postada neste blog no
dia 22 de novembro e a segunda no dia 28 de dezembro de 2014.
Mas dizer que a ficcionalidade (e isso desde o Círculo
Línguístico de Praga − década de 1930, principalmente) é fundamental para que
se conceitue o que os formalistas chamaram de literariedade não é suficiente.
Existem outros componentes que nos ajudam a enformar o conceito de literatura
pelo menos aproximadamente. Ou seja, são vários os elementos que nos ajudam a
identificar a linguagem literária.
Como arte da palavra, na literatura a palavra não é mais
apenas o suporte da ideia, ela é a matéria de que se faz a arte. Jean-Paul
Sartre, num belíssimo ensaio sobre o assunto, construiu a metáfora da vidraça.
A língua pragmática, da informação, que alguns autores designam por sistema
modelizante primário, seria como o vidro transparente. Ele não deve aparecer,
mas permitir que a visão o atravesse para perceber o que existe além dele. A
língua da literatura, sistema modelizante secundário, é como o vidro colorido e
decorado. Antes de se perceber o que está além do vidro, é a ele mesmo Segue-se
daí que, na qualidade de matéria com que se constrói a arte, o texto literário
valoriza a sonoridade, o colorido, da palavra, sua musicalidade, o ritmo de
suas frases. Em “Vozes veladas, veludosas vozes”, por
exemplo, num verso do
simbolista Cruz e Sousa, a aliteração (a reiteração do fonema /v/) cria com o
som das palavras uma aproximação com a ideia de “voz”. Ou seja, na escolha dos
vocábulos, neste como em outros casos (tanto na poesia quanto na prosa) o som
importa e deve ser levado em conta. O autor literário sabe disso e faz o melhor
(ou nem tanto) uso desse recurso, de acordo com seu domínio da linguagem. Um
exemplo de ritmo na prosa, que, neste caso já se pode considerar como métrica
(própria da poesia tradicional), é o parágrafo abaixo, extraído de Manuelzão e
Miguilin, de João Guimarães Rosa:
O nome desse vaqueiro, ele mesmo não dizia: − O meu nome a
ninguém conto, pois o tenho verdadeiro. Se o meu nome arreceberem, sina e
respeito eu perdo. Me chamem de nada, até saberem: se sou tolo, se sou ladino.
Enquanto eu não tiver nome, É evidente que o abuso na utilização de um mesmo
recurso em lugar de acrescer o encanto de um texto pode torná-lo aborrecido.
Assim são os excessos.
Mas existem outras figuras de retórica a que um autor de
literatura pode (e deve) lançar mão. É o caso, por exemplo, dá ironia, de que
Monteiro Lobato nos dá um ótimo exemplo em seu conhecido conto Negrinha: Excelente
senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar
certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono
(uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário,
dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de
grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o E isso depois
de ter colocado um ovo fervendo à força na boca de sua pequena Recursos como
eufemismos, ambiguidades, elipses, sinestesia e muitos outros são elementos com
que conta o autor de texto literário.
(continua)
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