segunda-feira, 30 de março de 2015

RESENHA DO MÊS

A cada mês, o Grupo de Leitura Dom Quixote escolhe um livro para fazer a leitura e, em seguida um dos integrantes escreve uma resenha. Desta vez, a resenha coube a Roseli Braff,


A química do amor


As afinidades eletivas (Goethe,1809)

Dono de sólida cultura universal, Goethe (1749-1832) viveu o período conhecido como sturm und drang (tempestade e ímpeto), movimento literário alemão, ocorrido entre 1760 a 1780, que gerou a estética romântica. Tal movimento consistia numa reação ao racionalismo iluminista do século XVIII e ao classicismo francês, dominantes na cultura europeia, sobretudo na Alemanha, à época.
Roseli Braff
Publicado em 1809, o romance As afinidades eletivas – verdadeiro exemplar da estética romântica – apresenta, ainda, resquícios clássicos: a simetria estrutural é um deles. O livro divide-se em duas partes com 18 capítulos cada; na primeira, predominam as cenas (showing); na segunda, prepondera o sumário (telling), cuja intensidade dramática aumenta apenas nos capítulos finais, a partir da morte da criança.

No plano da expressão, o leitor saboreia uma linguagem correta, porém sem preciosismos (como nos clássicos anteriores), farta adjetivação e longas descrições. No plano do conteúdo, desfilam temas predominantemente românticos, como o amor-renúncia (Charlotte renuncia ao amor de Eduard; Otillie renuncia ao amor de Eduard); a ociosidade da nobreza (Charlotte e Eduard preenchem o tempo com jardinagem, melhorias no entorno do castelo, festas e saraus para combater o tédio); religiosidade – apesar de o casamento e o divórcio serem considerados na Alemanha, à época, apenas contratos, o sentimento religioso exerce certa função de controle social; castigo – os amantes Eduard e Otillie rompem ou pretendem romper os laços matrimoniais (Charlotte e Eduard), logo não há saída senão a morte de ambos; idealização – Otillie é heroína romântica por excelência: pobre, mas de alma nobre, bondosa, inteligente, bela; amor impossível – as convenções sociais selam a morte dos amantes.


As personagens são tipos, não surpreendem. Charlote – mulher madura, ponderada; Otillie – encerra a perfeição. Como se sente responsável pela morte do pequeno Otto, deve expiar sua culpa (jejum e mudez até a morte); Eduard – barão, amante afoito, incontrolável em seus desejos; Capitão/ Major – homem forte, corajoso, correto. A simetria se repete na construção das personagens: de um lado, a emoção (Otillie e Eduard); de outro, a razão
(Charlotte e Capitão).
A sociedade retratada é dividida em classes que se mantêm em harmonia: nobres/militares; profissionais da “classe média” (advogado, arquiteto, ciirurgião, jardineiro, pedreiro etc.); camponeses.
Otto representa, de alguma forma, uma dupla traição, já que, na noite em que ocorre a relação sexual, Eduard toma a esposa nos braços como se ela fosse Otillie; enquanto Charlotte aceita o marido com o sentimento/pensamento no Capitão. Portanto, Otto é fruto de um “adultério ao quadrado”, então deve morrer
A genialidade do autor consiste em transformar em ficção uma lei da química: alguns elementos se separam, mas se agrupam novamente (como o mercúrio), devido às afinidades eletivas. O mesmo ocorre com Eduard e Otillie, que, a despeito de a última firmar a decisão de voltar ao pensionato, ao ver o amante na estalagem, sucumbe e retorna ao castelo para ficar ao lado dele. Comportamento semelhante tem Eduard, que, apesar do nascimento de seu filho, não pretende reatar com Charlotte.
A tessitura do jogo atração/repulsão prende o leitor até o desfecho, em que os amantes repousam lado a lado, eternamente.


2 comentários:

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças