sexta-feira, 2 de outubro de 2015

CONTOS CORRENTES

Raquel Naveira*


Raquel Naveira nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e Letras pela FUCMT, atual Universidade Católica Dom Bosco, onde exerceu o magistério (Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Literatura Latina), desde 1987 até 2006. Curso Superior de Língua e Literatura Francesas pela Universidade de Nancy (França).Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo.

Lecionou na Universidade Santa Úrsula, do Rio de Janeiro, de 2006 a 2007 e deu cursos na Casa da Leitura e na Sala de Leituras/RJ. Professora do Curso de Letras da Faculdade Anchieta, de São Bernardo do Campo/SP, desde julho de 2008. Dá cursos sobre literatura na Casa das Rosas/SP. Professora do Curso de Pós-Graduação intitulado “Práticas e Vertentes do Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa e Literatura”, da UNINOVE/ SP (2008).

Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao Pen Clube do Brasil. Escreveu vários livros, entre eles:Abadia (poemas, editora Imago,1996) e Casa de Tecla (poemas, editora Escrituras, 1999), finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia, da Câmara Brasileira do Livro. Os mais recentes são o livro de poemas Portão de ferro(Escrituras, 2006) e o livro de ensaios Literatura e drogas - e outros ensaios (Nova Razão Cultural, 2007), adotado em toda rede estadual do Rio de Janeiro. Escreveu ainda o infanto-juvenil, Pele de Jambo e o livro de ensaios,Fiandeira.

Unindo história e poesia, publicou os romanceiros Guerra entre irmãos (poemas inspirados na Guerra do Paraguai) e Caraguatá (poemas inspirados na Guerra do Contestado), que se transformou no curta-metragem "Cobrindo o céu de sombra", monólogo com a atriz Christiane Tricerri, sob a direção de Célio Grandes.

Lançou o CD “Fiandeiras do Pantanal”, onde declama seus poemas, acompanhada pela voz e a craviola da cantora Tetê Espíndola.

A obra de Raquel Naveira tem enorme fortuna crítica, sendo reconhecida e apreciada por escritores e críticos como Fábio Lucas, Hernani Donato, Paulo Bonfim, Lygia Fagundes Telles, Nelly Novaes Coelho, Nélida Piñon, Antônio Houaiss, Lêdo Ivo e outros.
Raquel Naveira produziu e apresentou o programa literário "Prosa e Verso", por seis anos, no canal universitário (canal 14, da NET), onde já entrevistou Adélia Prado, Zuenir Ventura, a atriz Cássia Kiss (vídeo no Youtube) e Ignácio de Loyola Brandão.

Profere palestras, participa de feiras de livros, eventos universitários e culturais, fazendo leituras de seus poemas por todo o País.
(site da UBE)


AZEITE

Assim como o Sr. Grandet, célebre personagem de Balzac, autor da Comédia Humana, guardava com avareza moedas de ouro sob a escada de seu soturno casarão no interior da França, meu avô português guardava azeite. Empilhava latas e latas no vão formado pelos degraus de madeira, em estranhas construções. Eu observava as figuras: o galo de Barcelos, de fundo preto, pintura colorida, crista vermelha; os olivais, as pontes sobre os rios e a mulher de xale florido que certamente se chamava Maria e dançava o vira. O azeite vindo da aldeia de Figueira da Foz, pertinho de Coimbra, se misturava em nossas refeições à salada, ao pão, ao vinho, ao peixe, às lembranças da terrinha.


O azeite é mesmo um elemento extraordinário, milenar. Na culinária é ouro líquido, que dá sabor, aroma e acidez aos pratos. Mas também servia como unguento, bálsamo, perfume, combustível para iluminação. Teve um papel fundamental para os povos antigos do Mediterrâneo e do Oriente. Os santos óleos acompanhavam o começo e o fim, o alfa e o ômega, o batismo e a extrema-unção, purificando e protegendo as almas pelos caminhos do mundo dos vivos e dos mortos.

O azeite de oliva é extraído da azeitona, fruto da oliveira. A oliveira é árvore sagrada, símbolo da paz, da força e da fecundidade. Os gregos acreditavam que era um presente da deusa Atena ou Minerva, deusa da sabedoria, que trazia a prosperidade e a luz que alimentava as lâmpadas. Os reis de Israel, como Davi, eram ungidos com azeite que lhes conferia autoridade, poder e glória. Os soldados eram untados de azeite antes de enfrentar os campos de batalha.

Gosto da passagem bíblica que conta a história da viúva de Sarepta. Essa mulher sem nome, do povoado de Sarepta, é um exemplo de humildade, fé, coração bom e hospitaleiro. Era tempo de seca. O profeta Elias foi enviado por Deus à casa da viúva, onde ela vivia com seu filho único. O profeta pediu que ela preparasse um bolo para ele. Ela explicou que só tinha um punhado de farinha de trigo e um pouco de azeite para fazer um bolo para ela e seu filho que comeriam e, depois, morreriam de fome. Súbito, ela sentiu nos olhos do profeta uma doçura estranha. Foi tomada por uma reverência, um reconhecimento de santidade. O Deus de Elias não era seu deus. Ela era pagã e pobre. Decidiu com sabedoria e coragem dividir o pouco que tinha com aquele peregrino do deserto. Apostou. Correu o risco. E nunca mais a farinha da panela se acabou nem faltou o azeite da botija, até que a chuva descesse sobre aquela terra.

Faz tanto tempo. Meu avô, minha avó. Sentávamos à mesa, o retrato estampado na lata parecia ouvir as histórias sobre as ruas estreitas de Alfama, os versos de Camões e Pessoa, as colheitas de uva, as receitas de bacalhau. À tardezinha, quando da porta da cozinha, avistavam-se as luzes da cidade, minha avó pegava uma colher de azeite, despejava numa tigela branca e benzia quebranto. Os lábios murmuravam preces, o azeite sumia misteriosamente na água. A febre e a opressão cessavam.    


Desde cedo vivi o ritual do azeite. Fui toda ungida: o corpo, os cabelos, a pele, o plexo solar, a mente, o espírito sedento. O óleo escorria até a orla dos meus vestidos, encharcando-me de orvalho. É por isso que flui de mim uma energia espessa, alaranjada e quente.

2 comentários:

  1. Caro amigo, Menalton, uma alegria estar no seu blog. Obrigada pelo carinho e atenção. Admiro-o como mestre e escritor. Abraço fraterno.
    Raquel Naveira

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    1. Raquel, divulgar amigos de valor é um prazer.
      Abraços do
      Menalton

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