sexta-feira, 19 de agosto de 2016

CONTOS CORRENTES

ENCANTO
(Regina Baptista*)
                                                                                                   
            A ideia de tatuar no corpo o nome de Rosana surgiu como fruto de um desespero. Ele só descobriria isso ao folhear a lista telefônica em busca de um tatuador. Mesmo assim os dedos e os olhos continuaram na busca: “Talvez seja melhor, ao invés do nome, tatuar uma rosa... como se a rosa derivasse de Rosana”. Quis imaginar-se com uma rosa no corpo, mas onde? No peito? No braço? Pensou num lugar que ficasse oculto de todos. Numa das pernas? Não... Seria melhor tatuar nas costas, na altura dos ombros. Assim, ele não precisaria vê-la toda vez que tirasse a roupa, embora sempre soubesse da existência da rosa ali, soberana, imponente, viva...
E por que não deveria vê-la?...
Empurrou a lista telefônica como se ela zombasse dele. Quis chorar. A rosa se tornava aos poucos mais uma tentativa vã de exorcizar Rosana de seu pensamento.
E além disso, como explicaria  sobre a rosa às mulheres que o vissem despido?  Por um lado, seria uma precaução contra a esperança. Elas descobririam de imediato o significado da tatuagem: uma marca! um registro! Uma declaração de que ele não é de ninguém! Um aviso de que ele não quer ser de ninguém. Pois a rosa já o detém... Mas por outro lado, seria tão cruel! As mulheres que conheceram a desilusão por amá-lo, só suportaram a perda porque descobriram lentamente os seus segredos.
A violência de ver estampada na sua pele a memória de um amor antigo seria cruel ou, no mínimo, desconcertante.
Ora! As amantes... Por que precisariam saber sobre a tatuagem? Por que ele teria que lhes contar? Bastaria dizer: “ela me perfuma, me faz sentir encantado”. E mesmo assim não estaria mentindo porque a lembrança de Rosana doía com encanto sim. O encanto de um romance que se perdeu sem que para isso houvesse turbulência nos espíritos de ambos. Frases curtas e silêncios longos se encarregaram de pôr fim aos sonhos. Agora, amadurecido, ele se alivia só com a ideia de que o final que o condenou a uma vida boêmia e promíscua fora ao menos suave. Alivia-se que para antídoto, ao menos num breve instante, basta a imagem de uma rosa. 
            Ao menos nesse instante não olhará pela janela do apartamento e verá o céu despencar sobre a cidade. Nem correrá ao telefone para combinar um encontro com o atual flerte, na ânsia de descarregar a força reprimida da paixão. Nem velará os murmúrios da namorada atestando sua sedução, que já o confunde ao invés de envaidecê-lo. Ele já está, aliás, prestes a ignorar qualquer poder que possam lhe atribuir. Está a ponto de desejar ser apenas um romântico.
            Uma rosa... é preciso ter uma rosa em mãos para poder saber dela o que poderá ser impresso na sua pele. Felizmente a diarista, por algum motivo, brindou o fim da faxina com um botão de rosa no vasinho da sala de estar. Ele não a tinha visto. Agora que busca uma rosa, sente-se premiado com o arranjo da empregada. “Uma rosa!” Ele a retira do vasinho com todo cuidado, como se fosse de cristal finíssimo, vulnerável. É preciso encará-la. “Como você ficará em mim? Como você ficará na minha pele?”.
            Ele vai ao espelho, arranca a camiseta. Aproxima do peito a rosa cor de maçã. “Ficaria linda aqui, perto do coração”.  O toque das pétalas na pele faz o corpo todo arrepiar. Que lembrança terrível!... No último encontro com Rosana, ela também repousara sua cabecinha no peito dele. E esse gesto o fizera entender que ela estaria para sempre ali, pois desejava o abrigo dele para sempre. No entanto... alguns dias depois desse gesto, ela revelara que estava de partida. Não dava mais para continuar.

            A rosa, como que compreendendo seu destino de fracasso, abandona o peito e cai no chão. Ele a encara de cima como um deus e sentencia: “Você não vai embora”.

                                                                 

*Regina Baptista - Escritora

Nasceu em São Joaquim da Barra-SP, aos 16 de junho de 1968. Mora em Ribeirão Preto desde 1977.
Graduada em Ciências Sociais pela UNESP, de Araraquara-SP, em 1995.
Trabalha como secretária paroquial na Arquidiocese de Ribeirão Preto, desde 1997.
Filiada à UBE – União Brasileira de Escritores desde 2010.
LIVROS PUBLICADOS (de forma independente):
CÁRCERE PRIVADO (2007) – novela – Ed. Scortecci
O narrador está preso num cativeiro, sem contato com seus opressores. Apenas uma mulher, Iolanda, o visita diariamente para levar as refeições e limpar o lugar. Entre uma conversa e outra com sua “carcereira”, o narrador vive devaneios e delírios por causa do confinamento.
MUNDO SUSPENSO (2009) – microcontos e outros textos breves – Ed Scortecci
Nesse livrinho as narrativas são breves e compactas, tentando sempre potencializar um acontecimento cotidiano.
ATO PENITENCIAL (2011) – romance – Editora Coruja
Partindo do mito de Fausto, o livro tenta mostrar um conflito faustiano de um sacerdote católico que seguiu a trajetória religiosa abdicando à sua verdadeira vocação humanista (Ciência), em nome de uma culpa do passado: a morte do pai. Na condução do seu trabalho religioso os fantasmas desse passado nunca dão descanso. Até que um dia surge um jovem, Asmodeu, fazendo provocações sedutoras.
REVISTA MASCULINA-O HOMEM EXPOSTO (2012) – contos – edição própria.
Nessa coletânea foi selecionada uma parte dos textos dedicados ao universo masculino, destinados a uma coletânea maior.  São cinco textos em forma de diálogos entre dois personagens: dois homens ou um homem e uma mulher.
FÓRUM VIRTUAL (2015) – romance – Editora Redemoinho
Seguindo a linguagem de diálogos (como já havia feito em Revista Masculina), o texto narra episódios virtuais, como a emissão de e-mails e s discussões em fóruns virtuais. Todas as discussões dizem respeito a uma matéria de revista. A personagem Ana Débora, jornalista bem conceituada, é a autora da matéria e é através das suas investigações na Internet que ela descobre discussões de internautas, em diversas épocas, impactados com sua matéria.
PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS:
1 – Elo de Palavras (2008) – Ed. Scortecci – com o conto BETH E FRED
2 – Tantas Palavras (2011) – com o conto CABINE DE COMANDO
3 – Antologia UBE (2015) – Ed. Global – com o conto OUTSIDERS

OBRAS INÉDITAS:
Contos: –  ENTRE A VIDA E A MORTE – UM DOSSIÊ MÉDICO – OS FILHOS DE CAIM – REVISTA MASCULINA (primeira parte publicada em 2012)
Romances: – POÊNIA – EXERCITO PARTICULAR – O FILHO (inacabado) – AS TORRES (inacabado) – DIÁRIO DE UM NEURÓTICO – A POLÍTICA SEGUNDO DANI SCARPINI – A PERFORMANCE
link para contato: e-mail (reginabaptista@ig.com.br) tenho também um blog : http://reginabaptistacronos.blogspot.com.br





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