(Vanessa
Maranha)
para ler
ao som de na ilha de lia, no barco de rosa, chico buarque
Licoroso o
instante em que Santiago, num brinde, com sua voz pastosa e sensual que trazia
mais torpor que a própria bebida adocicada de romãs disse: a nós. A nós –
Sílvia e Júlia na mesa – tinha gosto incômodo, abrangente demais, nem solene
nem tão íntimo assim que se bastasse em si para qualquer uma das duas e,
portanto, “a nós” detonava o fel do ciúme a escorrer dos olhos de ambas.
Esmeralda era toda a íris de Sílvia, quase clorofila; cobalto a descer liso das
pálpebras pintadas de Júlia. John Coltrane e guitarra lamentosa quase
imperceptíveis no burburinho daquela noite em bar, noite de um azul intenso,
marinho, escolhido para o anúncio de Santiago: amo mesmo as duas, em igual
medida. Ou vêm em par ou não quero nenhuma.
Nem
estupefatas nem atordoadas. Havia tanto Júlia e Sílvia compartilhavam-no num
acordo tácito, mudo. Terrível era dar voz a isso. Feito o verbo, então, daquilo
que nem precisava ser dito, a coisa caía no terreno do insuportável. Aquelas
mulheres atávicas
choravam ali por dentro; olhos cada vez mais líquidos
escorrendo matizes violentos, palavras indizíveis – enredadas, imóveis no campo
magnético chamado Santiago, em seu aceitem-se enfim sem mais. Gênero da mesma
espécie anteviam, claro, lutas silenciosas, competições colossais e
subliminares por supremacia. Rasteiras, injúrias, calúnias margeavam-lhes as
mentes.
Curiosamente,
humanamente, quanto mais acuadas, tanto pior o que lhes corria nas entranhas; o
menos que aceitassem tal escancaro, mais Santiago parecia acontecer, crescer
ali, objeto de disputa. Em seu timbre grave e determinado, ele ordenou frutas
que acompanhassem o licor, que adoçassem ainda mais aquele entretempo.
Centralizado, beijou cada qual numa face, o sultão. Júlia ia ao longe, de volta aos quintais da
infância, deitada sobre a relva, respirando o céu imenso e incógnito – sensação
que não era boa nem ruim. Só vaguidão. Sílvia seguia adiante e imaginava-se
liberta dessa paixão-metástase forte e duradoura o suficiente para dominar, até
então, todo o curso de sua vida. Sentia Santiago correr fartamente por toda a
sua medula. Ele, voz de poeta enfático, contando do dia, da vida, falando tão
fácil de liberdade e aceitação. Grenadine nos cálices, nenhuma palavra das mulheres, mas o aperto em
dois corações. Não, elas não se queriam. Caldo de romãs tingindo lábios que se
avermelhavam como pequeninos pontos nos rostos lívidos, entristecidos,
enraivecidos.
Subitamente, Santiago, all that jazz, saca?,
sentiu que no decorrer da noite, as suas duas violetas iam murchando,
lentamente, as linhas das faces se desfazendo, como em Picasso, à maneira de
Bracque, se desfigurando, escorrendo-lhe pelos dedos. Bosques infantis em meio
a canções de roda, uma bofetada na cara, um cadeado espatifado, Santiago ao
fim, enfim: gosto de grenadine abrindo a manhã.
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