(Nei Duclós)
Em filme americano, o céu é uma
corporação com executivos que recebem os espíritos e os encaminham para as
tarefas eternas. Só que sempre há um equívoco e a alma que chegou antes do tempo
volta para continuar sua missão na terra. Vamos imaginar como seria o céu
brasileiro. O traficante receberia o recém falecido. Que esperneia:
– Onde estou, quem é você? pergunta
a vítima
– Você apagou, meu chapa e agora
está na nossa mão.
– Mas não tinha chegado ainda a
minha hora. O que estou fazendo aqui? Há um erro, verifica aí nos seus
apontamentos.
– Negativo, malandro. Aqui a gente
trabalha no apalavrado, morou? Se os caras de asinhas brancas disseram que você
já era, é porque já era, sacou?
– Mas eu nem pude fazer o Enem, não
comprei casa própria, não conquistei aquela guria bonita do colégio, não ganhei
meu milhão de dólares antes dos 30 anos.
– Mas não precisa morrer pra não
fazer isso, bozó. No Brasil ninguém consegue merda nenhuma
mesmo.
– Além do mais, sou careta, não
jogo, não fumo e não bebo.
– Tarde demais, branquelo. Agora
você vai para a cela do Carandiru e pronto.
– Mas o Carandiru foi desativado.
– É, mais continua existindo aqui
no astral e o que é melhor, sem gambé, sem sirene, sem otoridade, nem juiz nem
porra nenhuma. É só nóis na fita.
O coitado vê que não há argumento e
espreme os miolos para se lembrar como os heróis de filmes americanos em que o
cara morre e volta para a terra se comportariam numa situação dessas.
– É o seguinte: eu volto e trabalho
o dia inteiro pra vocês.
– Já temos mão-de-obra de sobra,
mané. Estamos até selecionando. Agora para entrar para o crime tem que ter
curriculo e carta de recomendação de político importante. Vereador não serve
mais, agora é de senador para cima.
– Então eu te apresento para um
banqueiro amigo meu das Ilhas Cayman.
– Fala aí, meu chapa, as Ilhas
Cayman são nossa propriedade faz tempo.
– Então te apresento pro meu primo,
o sheik de Agadir.
– To sabeno que tu não é de nada, é
funcionariozinho da prefeitura em Caiapó, que qui há, pensa que não vimos tua
ficha antes de recolher o presunto? Vai dizer que tu é avião de heroína grossa
pros grandões?
– Vocês pegaram meu corpo?
– É força do hábito. A gente agora
só recolhe alma, mas quando era vivo só pegava presunto memo.
– O sr. já foi vivo? pergunta o
bocó, querendo conquistar a confiança do chefão.
O traficante perde a paciência e
vai empurrando o falecido para um corredor comprido, cheio de almas em fila.
– Chega de papo que tu não paga nem
resgate, vai te mandando até ser atendido pelo nosso assecla veremelhão lá
adiante.
– Quem disse que eu não pago resgate?
Tenho um bom preço procê…
O cara fica em dúvida. Puxa o
presunto para um canto:
– Vai me dizer o quê, que tem
resgate o quê, desembucha logo.
– Tenho sim, uma maneira de tu sair
desse emprego e voltar com tudo na terra. Não é o que você quer? Ou prefere
ficar de porteiro do Dito-Cujo?
– Falei pra desembuchar, então fala
logo, senão…
-…me mata?
– É, te jogo no caldeirão fervendo…Porque
aqui é paraíso brasileiro, tem caldeirão e tudo. Mas me diga, que lance é esse,
branquinha de neve?
– É simples. Meus amigos banqueiros
consumidores de heroína subornam até o teu chefe e te colocam full time num
bordel de luxo. Você vai ter só que cheirar, comer, peidar e foder. Topa?
– E como tu vai fazer isso, si eu
sei que tu não é de nada?
– Eu não apostaria nisso. Mas é
muito simples. Você me coloca lá de volta e eu arrumo tudo.
O cara pensa, pensa, acaba
concordando. Mas com uma condição:
– Você tem duas horas. Se não
conseguir, panelão pra ti.
– E portaria pra ti, não é mesmo?
– Vai, vai.
O recém falecido se safa, volta
para casa e telefona:
– Dandan, meu banqueiro favorito?
Faz um favor pra mim? Diz pro teu gerente sair de cima que eu preciso retirar
aquela grana sem pegar fila. Ele está aprontando lá na porta do banco. Desse
jeito o negócio não sai!
* Conto publicado originalmente no site do autor
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