Esta coluna reúne apresentações de livros escritas
em algum momento por Menalton Braff.
Distraído no cruzamento
No primeiro período de seu romance O Tolo Precário, de forma
habilidosa, Wilson Rossato já nos introduz, ex abrupto, no ambiente principal
do romance. Notei o homem que fazia uma
queixa e percebi seu constrangimento ao ouvir os gritos do preso apanhando. Narrador,
leitor, personagens, estamos todos em uma delegacia de polícia. A escolha do
foco narrativo, diferentemente do que em geral ocorre em romances do gênero,
tem o mérito de atrair o leitor para uma posição de testemunha de um depoimento,
de um testemunho pessoal, aumentando-lhe a credibilidade. É a visão de dentro, a
visão de quem precisa atuar no interior desse caldo espesso que se chama
ambiente policial.
Mas não nos enganemos: não é um romance policial, pelo menos do tipo clássico,
em que um crime deve ser investigado e o protagonista tem um faro sobre-humano.
A matéria de O Tolo Precário é seu próprio narrador, o modo como vê o mundo
através de pequenos detalhes, fatos
\corriqueiros a que também não dá grande
importância. Sete, o escrivão de polícia protagonista, é construído por
alguns poucos traços, porém fortes e bem marcados. O principal deles é o
cansaço. Ele está sempre às voltas com o calor, a água tomada em caneca de
alumínio, a apatia em relação ao que acontece em sua volta. Tudo
parecia inútil e opaco, ele comenta já no fim do penúltimo capítulo.
Há ainda um outro aspecto em que o romance de Wilson Rossato é bem mais
rico do que a maioria das narrativas policiais. Trata-se das descrições, o modo
como a paisagem participa da história, subjetivada pela personagem central.
Cito, como exemplo, um trecho escolhido aleatoriamente.
(...) Cansado, e por falta de
opção, fui para a entrada da delegacia onde deixei-me ficar observando a rua
deserta. Nunca gostei de ver as portas corridas das lojas aos domingos; dão uma
sensação ruim, de vazio no estômago. Na rua escura vi uma poça amarela de luz
em frente a um botequim e alguns homens bebiam cerveja. Passavam fiapos de
nuvens sobre uma lua cautelosa. Não sei o que pensava, nem há quanto tempo,
entretanto uma gargalhada indecente, vinda do interior da delegacia, me fez
acordar de uma espécie de devaneio. Há mais de vinte horas fazia plantão.
Algumas pessoas despediram-se de mim por estar parado na entrada da delegacia
na hora que saíram.
Muito mais para romance psicológico, O Tolo Precário apenas
circunstancialmente toma o espaço de uma delegacia para desenvolver sua trama.
O que nele mais importa é o perfil da personagem, suas ações ou,
principalmente, seus bloqueios e inações.
Autor: Wilson Rossato
Título: O Tolo Precário
Editora: Lamparina
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