segunda-feira, 13 de novembro de 2017

CRÔNICA

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff publicadas originalmente em seu site.

Cara de anjo

Só não falei com as plantas. De tudo que me sugeriram, só isso faltou. E não falei, por uma espécie de constrangimento moral. Me senti na situação de quem pega o telefone ao contrário e tenta falar pela concha receptora. Isso nem o Deonísio, meu vizinho de origem e meu primo, e que ultimamente vem tendo sérios problemas com o satanismo de alguns objetos caseiros amotinados contra o dono, isso nem ele faz. Poderia até tentar, apesar de minha arraigada descrença em comunicação intergenérica, mas imaginei alguém passando naquele exato momento e o que poderia sair por aí dizendo a meu respeito na vizinhança, onde já não desfruto de grande prestígio.

De tudo tentei, mas infrutiferamente. As plantas de meu jardim estavam mesmo era com saudade. Ah, sim, ainda não disse que a causa de tudo isso foi o Moisés. Não um Moisés de barbas brancas e olhar que dispara dúzias de raios aterradores. O Moisés, mesmo, com artigo e tudo, porque um sujeito simples, familiar, que visitava meu jardim todos os meses e que de repente alegou problemas em uma cidade distante para não voltar mais. Com o maior orgulho pelo estado do jardim de nossa casa, dispensei os serviços do Moisés. Deixe comigo, foi o que eu disse. Deixe comigo. Estou mesmo precisando de um pouco mais de atividades físicas.

Nos primeiros dias, tive a impressão de que as plantas ficaram até mais bonitas. Ah, os olhos, como são enganosos! Geralmente vemos o que estamos querendo ver. Ou precisando ver. Pois tive a impressão. Principalmente porque a glicínia, de um vaso de barro, soltou uma flor de um veludo
roxo-vivo que encantou a família toda. Pois não é que leva jeito!, ouvi dizerem-me pelas costas enquanto fingia não ouvir nada.

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A grama, as tuias (a azul, a compacta, a dourada), a touceira de areca, o legustro, a camélia, a palmeira fênix, com seus espinhos, pingos-de-ouro, sálvias, todas elas, as incontáveis plantas de meu jardim, algumas semanas depois da despedida do Moisés, começaram a demonstrar descontentamento. Reguei, adubei, podei. Só não conversei por razões já expostas. Fiz de tudo. Elas recusavam qualquer coisa que eu fizesse. Começaram a definhar. As begônias, nos vasos, melaram todas. Até melhoral na água eu andei botando, por recomendação da mãe de uma amiga, maga das plantas, no dizer desta. Nada. Foram meses de lutas e canseiras sem vislumbre de vitória. Visitei floriculturas, consultei especialistas. Resposta nenhuma dessas ingratas.

Há um mês, pouco mais, recebi um telefonema noturno. Era o Moisés. Não se dera bem na cidade distante e me perguntava se poderia ser aceito em seu antigo posto.

No dia seguinte bem cedo, acordei com o Moisés cantando ao ritmo de seu tesourão. Quando saí para cumprimentá-lo, ele sorriu e me disse qualquer coisa que, de longe, não entendi direito, mas que adivinhei. Já perto, disse a ele que cuidei, sim, dentro de minhas possibilidades. Ele não desmanchou o sorriso incrédulo.

Hoje fui ler sentado à sombra do chorão mexicano (das poucas árvores que se mantiveram fiéis a mim) e, olhando em volta, me lembrei do Tistu, aquele menino do dedo verde. De anjo é que o Moisés não tem nada, acho eu, mas as plantas do meu jardim são capazes de jurar que ele é um anjo disfarçado de jardineiro.

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