sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

CONTOS CORRENTES

SINAL FECHADO
(Lelia Maria Romero)

Rua Estados Unidos, quarta feira, final da manhã. Nada de novo para quem dirige, motoqueiros, taxistas, carroças e homens que nos fecham. Este que passou rápido, além da minha brecada, ouviu também um buzinasso. De nada adiantou a manobra já que o sinal da Nove de Julho foi do amarelo ao vermelho. Babaca, insano, inútil e... placa de Belo Horizonte! Mineiro o afoito! De óculos escuros, camisa jeans, me olhou pelo retrovisor.

_ Não vai chegar mais cedo não! Vai ficar aí paradão
como eu!

E dá-lhe esperar o sinal, que demora demais pra desafogar o trânsito da Nove de Julho, já sei! Subi o volume do rádio e lá vêm os vendedores: panos de prato, balinhas, porta celular. Pelúcia para o dia dos namorados, guarda-chuvas nos dias de chuva e para as mães e para todos, flores. Flores mil, flores do campo que murcham logo e rosas que não abrem. O mineiro chamou um deles. Claro! O apressado levará um mimo de última hora, desses de rua mesmo, de vendedor de sinal.

No woman no cry, mudo de estação e ouço Bob Marley. Conheci essa música na voz de Gil, no colégio Equipe, num show que havia sido proibido. Tarde de sábado, céu nublado, pátio lotado, todos
sentados no chão. Cantou em português, em inglês, se comoveu como eu, e fez leve pausa. Linda letra, a voz, o ar frio no rosto, de mãos dadas, enrolados num xale repetindo o refrão. Um helicóptero faz sobrevoo e Gil deixa o palco improvisado. Silêncio. Meu namorado olha pra trás e verifica se
estávamos longe da saída, se o portão era largo como parecia, se estaria aberto como no início. Algumas pessoas se levantaram e saíram apressadas. Reações recorrentes. O helicóptero some, Gil volta e o coro aquece o frio da tarde. No woman no cry.

Toc, toc, bate na minha janela um vendedor. Nem abri e fiz um sinal claro de “não”. Afinal estava com Bob Marley, mas o barulho no vidro quebrou minha viagem ao xale abraçado, momento opaco
resgatado, veloz, pela música. Toc, toc, insistiu o vendedor de flores com um buquê na mão, e fez um gesto apontando pra frente. Que frente? O afoito está na frente, e daí? Pois o vendedor repetiu o gesto e apontou para o carro do mineiro. Abri o vidro:

_ Obrigada, não quero!

_ Não é isso! O moço aí da frente ofereceu as flores pra senhora; pediu pra entregar.

Olho pra frente e vejo o mineiro me dar um tchauzinho pelo retrovisor. Em seguida um toque de buzina e um aceno de braço pela janela. Pego o buquê de rosas coral e agradeço ao vendedor. Cinco
segundos de estranheza, toco a buzina ao mineiro, que toca a sua de novo e acelera. Sinal verde.

As rosas abriram na sala, o tom coral clareou e combinou com a cor do sofá. Pouco antes de murchar, tirei uma pétala e guardei no livro de poesia iraniana The lover is always alone. 

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