domingo, 3 de dezembro de 2017

ENTREVISTA

O fim do ano está chegando e nada melhor para esta época de balanço que uma grande entrevista. Foi o que fizemos: Menalton respondeu a 36 perguntas que serão publicadas aqui em blocos de 12, entre hoje e o início de 2018. 

Para quem não conhece, Menalton Braff é escritor, com 24 livros publicados e vencedor de vários prêmios, entre os quais o Jabuti  Livro do ano, em 2.000.  É romancista, contista e escreve também livros infantis e juvenis.
                                         

       Como você se sente quando escreve?
Depende do que estiver escrevendo. Para citar um exemplo: Durante trinta e poucos anos tentei escrever o Na teia do sol. A emoção me bloqueava e não conseguia avançar. Eram lembranças muito dolorosas. Por fim, aliviado do teor autobiográfico do assunto, consegui prosseguir até o fim. Mesmo assim, foi um texto que em muitas passagens tive de parar com lágrima nos olhos e nó na garganta. Diferentemente, Moça com chapéu de palha foi um exercício de alegria. O distanciamento que se consegue entre autor e texto é muito importante.  O envolvimento real com o assunto pode causar as mais disparatadas emoções.

       Sempre foi assim, ou a sensação foi mudando ao longo dos anos?
Sempre foi assim, apesar de que com o caminhar com os textos, aprende-se certo controle sobre as emoções, mesmo quando se faz laboratório. Então, diria que o amadurecimento técnico e estético
auxilia no controle das emoções, que o Fernando Pessoa definiu tão bem em um poema: “só a que eles não têm.”  “O poeta  é um fingidor”,  não é mesmo?  

        Qual a sua relação com suas personagens? Já aconteceu de sentir paixão ou ódio por algum deles?
Toda personagem me provoca paixão, e, na pior das hipóteses, indiferença. Mesmo aquelas personagens que se poderiam classificar como “do mal” não conseguem me provocar ódio. E por uma simples razão: nada é mais difícil para mim do que julgar uma pessoa/personagem.

    
      Quando o livro acaba, você sente saudade das personagens?
Ah, sem dúvida. Por muito tempo ainda convivo com o povo que ficou preso no livro. Uns mais, outros menos, mas todos continuam me visitando quando deito e fecho os olhos para dormir. Muitos deles me tiram o sono.
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       Já aconteceu, alguma vez, de você sentir vontade de retomar um personagem em um segundo livro?
Isso acontece com muita frequência, mas quase sempre nos últimos capítulos de um romance, por exemplo, já estou fazendo anotações para o próximo, por essa razão nunca voltei para trabalhar personagens de que já me despedi.

        Qual foi o personagem que mais lhe cativou nesses seus 24 livros?
Ataulfo, de O casarão da rua do Rosário, que eu me lembre, foi a personagem que criei com mais emoção. Trata-se de um quarentão, um dos irmãos habitantes do casarão. Ele é rejeitado pela família por ser fraco da cabeça. Mas em meio à violência e aos conflitos dos irmãos, Ataulfo é doce, amante de animais, plantas e crianças. Um ser ingênuo, mas em essência um ser poético.  Gostei muito de construir o contraste entre os familiares, com este sopro de bondade e poesia. 
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      Já imaginou fazer um livro em que um personagem secundário de outra obra seja nesse o protagonista? Como seria esse livro?
Não, nunca pensei nisso.  No meu caso acho que isso não daria certo.

1    Como você cria seus personagens?

Olhando em volta.  O braço de um, o cabelo de outro, a teimosia de alguém, a safadeza de alguém, tudo isso costurado de acordo com as necessidades da história.  Não gosto de trabalhar só com personagem plana, então não me assusto quando tenho de criar alguma contradição em uma personagem.  A vida é assim, assim somos nós.

      E as histórias? Ao começar você já tem ideia de como será o final ou isso vai sendo construído na medida em que escreve?
Em geral, não começo a escrever enquanto não tiver certeza do início e do fim. O meio é o caminho que deverá justificar determinado fim.  Mas é claro que muitas vezes esse meio, o enchimento, segue uma trilha imprevista e acaba modificando não só o fim como também o início, que exige modificação. No transcorrer da narrativa não se pode perder a coerência.

         Você sente alívio ao terminar um livro?
Me parece que uma comparação com o parto não é descabida. Aquilo que gestou por muito tempo, aos poucos foi-se transformando em palavras revelando personas, com meses de convívio, alguns casos, anos, mesmo, ao término do livro sente-se um misto de alívio de um peso e saudade dos que ficaram presos entre as duas capas.

        As ideias para o livro seguinte surgem enquanto você está escrevendo o livro atual ou só depois que você termina?
As ideias, não só para o livro seguinte, surgem quase sempre motivadas por algo externo, e isso é imprevisível. Podem surgir num mesmo dia ideias para dois, três livros. Claro que em estado bem embrionário. Os elementos que se vão agregando à ideia inicial geralmente esperam o fim do texto que esteja produzindo.  Mas isso não é uma regra fixa. Não tenho controle sobre a mente neste caso.


          Você tem muitos livros inéditos, o que significa que tem um ritmo acelerado de escrita, já que lança em média mais de um livro por ano. De onde vem tantas ideias e tanto fôlego para escrever?
Eu tenho um arquivo de dados em que anoto tudo que surge. Muita coisa vira lixo por alguma razão, mas aproveito muito do que está guardado.  Como estou aposentado do magistério, que pagou meu aluguel por muitos anos, tenho meus dias inteiramente livres. Toda manhã, quando acordo, estico os braços e penso Que bom, hoje é domingo. Estou quase 24h por dia em disponibilidade para a literatura. Ou leio, ou escrevo. Então, publicar um livro por ano, ou até mais, não é milagre nenhum. E olha que sou bem lento na produção. Faço e refaço, transformo, troco palavras, inverto suas posições, enfim, não tenho pressa a não ser quando outro tema começa a me incomodar.  As ideias estão por aí, basta manter as antenas ligadas.

(Continua no próximo domingo...)

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