domingo, 25 de fevereiro de 2018

ENTREVISTAS QUE VOCÊ NÃO LEU

Esta coluna reúne entrevistas concedidas por Menalton Braff a diversos veículos de comunicação.

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A paixão pela escrita
segundo Menalton Braff
por Ivani Cardoso

Foi um longo caminho percorrido entre decidir ser escritor, aos 16 anos, até o reconhecimento com o Prêmio Jabuti (em 2000, melhor livro do ano) pela obra À sombra do cipreste. Muito papel jogado fora, muitas tentativas, muitos romances que jamais vieram à luz nem virão, segundo Menalton Braff. Mas entre livros, leituras e um e enorme desejo de exercer sua paixão pela literatura ele foi abrindo passagem. São 23 livros publicados (nove infantojuvenis e catorze de literatura geral) e o último de contos, O peso da gravata e outros contos (Primavera Editorial). Menalton Braff nasceu em Taquara (RS) e radicou-se em São Paulo (Capital e interior) há mais de quarenta anos. Formado em Letras, com pós lato sensu exerceu o magistério superior antes de escolher o interior onde se dedicou ao ensino médio. Foi finalista do Prêmio da Jornada de Passo Fundo em 2003, finalista do Jabuti (contos) em 2007 e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de
Literatura (romance) em 2008, mesmo ano em que seu A muralha de Adriano obteve menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas, la Habana. Sua novela juvenil Castelo de areia recebeu o selo altamente recomendável, da FNLIJ. Publicou três eBooks pela Primavera Editorial: Na teia do Sol e Castelos de Papel e O peso da gravata e até o final do ano lança o próximo romance pela mesma editora. Incentivar a leitura em crianças e jovens, para ele, não tem muito segredo: “É preciso fazer do ato da leitura um momento prazeroso”.

Confira a íntegra da entrevista:

Quando você ganhou o Jabuti em 2000 foi uma surpresa para muita gente. E para você, como foi?
A surpresa para o meio literário é fácil de compreender, pois eu era um autor que, apesar de vir fazendo literatura há muito tempo, acho que a vida toda, só no ano de 1999 foi publicado. Meu círculo de leitores resumia-se a familiares e amigos. Ora, cair na cova dos leões provoca um pouco de medo. Quando a editora me inscreveu, não fiquei esperançoso, não contava com a premiação. Costumo dizer que, naquela noite, naquele salão, tive o melhor susto da minha vida. Demorei um pouco para controlar a tremura das pernas e subir ao palco para receber a estatueta.

Quando se descobriu escritor?
Sempre gostei muito de ler. Aos cinco anos de idade, quando descobri o funcionamento da escrita, devorei O Guarani, de José de Alencar, transformado em HQ pela Edições Maravilhosas. Isso desencadeou uma paixão muito grande tanto pela prosa como pela poesia. Durante o curso Clássico,
fui apresentado à geração de 30, mas principalmente ao Erico Verissimo, cujas personagens eram muito semelhantes a meus primos do interior. Já que ele podia falar de meus primos, resolvi que eu também falaria. Mas foi um longo caminho. Muito papel jogado fora, muitas tentativas, muitos romances que jamais vieram à luz nem virão. Fui fazer o curso de Letras pensando em dominar técnicas narrativas, em entender o que e como se fazia aquilo. E aquela decisão dos meus dezesseis anos ficou chocando no ninho por muitos anos. Até o romance Janela aberta e a coletânea de contos Na força de mulher, dois livros que considero meus cadernos de aprendiz, sem os quais por certo não teria produzido À sombra do cipreste, que foi jabutizado.

Foi uma criança leitora. O que lia e o que lê hoje?
Comecei lendo José de Alencar, os românticos, depois passei ao Machado de Assis. Mas entre os grandes autores, que lia sem método algum, também lia meus gibis e até uma série de livros do Tarzan. Na época, descobri os franceses, que por uns dois anos foram minha paixão. Depois, já mais maduro, os russos, principalmente o Dostoiévski, que puxou a fila Tcheckov e outros. No Clássico, devorei toda a geração de 30, antes de voltar à turma de 22. Hoje estou lendo O homem sem nenhum caráter, do Musil, enquanto leio aqui e ali algum contemporâneo que me exija menor fôlego. Nos intervalos, ainda vou atrás dos clássicos, mesmo os da antiguidade. James Joyce, Marcel Proust foram autores que me encantaram e muito. William Faulkner foi um dos autores que, do ponto de vista da técnica narrativa, mais me influenciou. Releio sempre a Clarice Lispector.

Você saiu de SP e foi para Ribeirão Preto em busca de mais tranquilidade para exercer a sua arte. Por que?
Eu precisava de ambiente calmo para trabalhar. E continuo precisando. São Paulo, apesar de minha paixão pela cidade, me exigia muito, me deixava extenuado. Mesmo fisicamente não tinha disposição para produzir.

Está trabalhando em um novo projeto? Pode adiantar alguma coisa?
Casualmente hoje botei o ponto final em um novo romance. Além do rio dos Sinos foi motivado por uma viagem que fizemos no fim do ano para o Sul. Fui rever a terra de meus pais, que não via desde a infância. O espaço, sobretudo, me impressionou muito meio obsessivamente. Consegui me livrar da paisagem escrevendo o romance. Agora quero passar uns meses na vagabundagem.

Seu último livro é de contos. É seu gênero preferido? Quais são as armadilhas do conto?
Fazia dez anos que não publicava um livro de contos. Prefiro trabalhar com o romance, gosto de espaços amplos. Mas há temas e conflitos que exigem o conto. Não é uma escolha aleatória. Assim como o romance nasce romance, o conto nasce conto também. Existem muitas armadilhas. As mais frequentes: mais de um conflito no mesmo conto; sua natureza pede economia em todos os sentidos. E essa é outra armadilha: o excesso por dados ornamentais. Isso mata um conto. Costuma-se dizer que no romance nada pode faltar, assim como no conto nada pode sobrar. Edgar Allan Poe, Júlio Cortázar e alguns outros que teorizaram a respeito, são unânimes nesse ponto. O Tcheckov afirma que se uma espingarda está pendurada na parede no início do conto, até o fim alguém deve dar um tiro com ela. Excesso de personagens, excesso de momentos e espaços também prejudicam a concisão e a coesão de um conto. A unidade de ação tem de ser observada rigorosamente.

Quando escreve, as suas experiências de vida, seus sentimentos, entram muito nas histórias ou busca a inspiração longe de você?
Quase nunca me uso em literatura. O que faço, isso sim, é muito laboratório. Como eu faria em tal situação, como a sentiria. O romancista precisa sair de si, mesmo quando esteja escrevendo em primeira pessoa. Ele precisa ter noção da variedade humana, por experiência, convivência, por leituras. Tenho um romance em que deliberadamente quis expressar a gama de sentimentos que me atingiram em determinado momento da minha vida. Apenas os sentimentos, pois os fatos são todos de invenção.

Quais são os desafios para quem quer viver de literatura no Brasil?
Não acredito que se possa viver de literatura no Brasil. Ou se reduz a qualidade, e então não se pode falar de literatura, propriamente (O Adorno classifica tais obras em que o autor facilita tudo para vender mais de sub-literatura, ou literatura banal) ou se deve ter algum outro meio de vida. Ficar preso ao gosto do público, escrever visando agradar à maioria, isso já é outro capítulo. Mas estou pensando em literatura como arte.

O Brasil um dia será um país de leitores?
Acredito que leitores, num sentido muito amplo, será possível. Um país jovem como o nosso, ainda criando suas tradições, se houver um esforço das autoridades da educação e da cultura, isso não será impossível. Mas vai demorar. Agora, leitores de literatura, não creio que seja possível. O apreço pelas artes em geral é muito pequeno. Concertos e exposições, por exemplo, sempre tiveram público muito reduzido, e não se trata, é claro, de poder aquisitivo, mas de sensibilidade.

Você deu aulas por muito tempo. Como acha que nesse mundo tão digital os professores devem lançar a semente da leitura?
Criar expectativas adequadas, antes da leitura, mostrando o quanto uma experiência de outros seres pode encantar. Nesse processo, a valorização da palavra é fundamental. Fazer do ato da leitura um momento prazeroso. Sobretudo no Ensino Fundamental 1, isso é muito importante. Aulas de leitura, silenciosa ou em voz alta, tudo em ambiente de brincadeira.

Você tem blog, face, administra bem as redes sociais? Acha que elas aproximam as pessoas dos livros de alguma forma?
Sim, tenho esses instrumentos tecnológicos todos, mas tenho quem me ajude na administração. É uma atividade que toma muito tempo. Mas acho importante manter a rede social. No meu caso, só faço uso dessas ferramentas para falar de literatura, mostrar textos de amigos, alguns meus também, dar notícias, enfim, agitar um pouco o ambiente literário. Ainda não se tem uma pesquisa séria a respeito dessa possível aproximação, mas empiricamente eu acredito que sim, que aproxima, na medida em que se fale de livros e textos em geral.

Se pudesse escolher um autor de romance para contar sua vida, quem escolheria?
A Lygia Fagundes Telles. Ela tem uma delicadeza na percepção do mundo e na expressão dessa percepção que me encanta.

Escrever para você é.....

O único modo de me saber vivente.

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