segunda-feira, 26 de março de 2018

CARTAS DO INTERIOR

A partir de hoje, o Blog do Menalton passa a postar uma nova coluna às segundas feiras: no lugar de CRÔNICAS, que reunia textos já publicados em outros veículos, teremos CARTAS DO INTERIOR, com crônicas inéditas do escritor.  

JARDINEIRO AMADOR

E eu, que até uns dias atrás me considerei um jardineiro amador, hoje tenho de me contentar, por causa de uma lombalgia – como presumo – com um vaso sobre a mesa. É uma posição que me convém, pois não tenho necessidade de me reclinar, trabalhando sem castigar minha coluna.

Não me lembro mais do mês em que, no ano passado, fui convidado a conversar com detentos de uma penitenciária aqui da região que tinham lido, em seu Clube de Leitura, meu romance Que enchente me carrega? Ocioso afirmar que aceitei o convite sem relutância. Lançar uma garrafa ao mar, como faz todo escritor, deixa uma espécie de vazio: o emissor que não sabe se terá receptor ou não. De repente apresentava-se a oportunidade de conhecer um grupo de receptores. E mais, dispostos a revelar, cada um deles, como haviam recebido minha garrafa.

Depois de duas horas na sala da biblioteca falando e ouvindo tive certeza de que valera a pena minha visita. Não sei se eles ficaram satisfeitos, até acho que sim, quanto a mim, saí exultante. Que enchente me carrega? é um romance complexo, pelo menos quanto às técnicas narrativas, com muito
fluxo de consciência, discurso indireto livre, elipses, idas e vindas quebrando a linearidade, enfim, uma tentativa de expressar tanto quanto seja isso possível os avanços e recuos do pensamento.

Um dos detentos me confessou ter percebido plenamente a história depois da terceira leitura. Ele leu o livro três vezes para ligar na vida o que, no discurso narrativo, por algumas razões, estava desligado. E seu relato me convenceu de que realmente havia ligado corretamente. Então, não era para sair de lá exultando?

Quando pensava já estar indo embora, fui puxado para uma sala com o centro ocupado por uma mesa coberta de salgadinhos e refrigerantes. Era a forma de agradecimento da direção da casa por minha disposição de conversar com seus habitantes, ou, pelo menos, com aqueles que formavam o CLUBE DE LEITURA.

Foi só na saída, já perto da porta, que uma funcionária me atacou e me entregou num vaso muito pequeno uma plantinha de pouco mais de um palmo de altura, informando-me que se tratava de uma pimenteira. Não sei por que pimenteira. Suponho que haja aí alguma simbologia que desconheço, mas tomei nas mãos o pequeno vaso sem reclamar, antigo jardineiro amador que me considero. Então fiquei pensando: Qual a razão de ter confiado a mim aquela plantinha tão verde, em plena infância, provavelmente ainda carregada de ingenuidade. Acho que meu passado de jardineiro amador me deixou algumas marcas, suficientes para que a jovem funcionária se convencesse de que eu
jamais deixaria a pimenteira sem meus cuidados.

Agora lá está ela, com mais de um metro, pouco mais, de altura, com folhas e galhos novos. Dei-lhe terra vegetal, dou-lhe água de dois em dois dias, e ela agradece crescendo num vaso maior sobre a mesa da varanda.

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