segunda-feira, 7 de maio de 2018

CARTAS DO INTERIOR

VERDE QUE NÃO TE QUERO

De repente sinto que é preciso trazer de volta meu amigo Adamastor, aquele gigante nascido no sul da África e que já percorreu o mundo nas páginas de um português genial. E isso, por uma questão muito simples: na qualidade de gigante, tem um ângulo mais elevado de observação, mas não só isso – conhece usos e costumes de Ocidente a Oriente, Sul a Norte. Quando opina, em geral é com conhecimento de causa.

Foi meu amigo Adamastor que me convidou a observar um fato que, se tem alguns partidários nas capitais, aqui, onde vivemos atualmente, é quase unanimidade.

O cimento cobre absoluto os quintais em pouco menos que sua totalidade.

Cientista social nas horas vagas, meu amigo Adamastor pôs-se a explicar os motivos do fenômeno.

Algumas pessoas alegam que lavar um quintal cimentado, onde a água desliza cantante, brilhante, contente é muito mais fácil, mais rápido, quem sabe até mais econômico do que ter plantas num quintal de terra aparente.

A essas pessoas meu amigo chama de pragmáticas. E me parece que tem razão. Mas existe um segundo grupo, talvez o maior.

A população de nossas pequenas cidades, me alertava o gigante, origina-se da roça, lugar em que não se pode esconder a terra. Ao urbanizarem-se, tais pessoas, com certo sentimento de inferioridade, sobretudo em questões de civilização, envergonham-se de sua origem rural.

Muito prefeito nascido na roça, quando não, filho ou neto de gente que amassava barro com os pés para trabalhar, derruba árvores e arranca arbustos de logradouros públicos na certeza de que assim agindo consegue esconder sua ascendência. Sempre fui urbano, é o significado de seu comportamento. E nada mais urbano do que o cimento.

Uma pena, exclamava o gigante Adamastor, que tinha visto de tudo em sua longa vida. Alguns fazem campanhas para que se plante, que se mostre a terra às águas que descem do céu, para que se purifique o ar que respiramos, para que não nos esqueçamos de onde viemos, pois somos também frutos da natureza e nada mais prazeroso que seu convívio.

Um dia destes, aqui bem perto da minha casa, numa antena arranhando as nuvens mais baixas, fui surpreendido por um sabiá chamando sei lá quem, mas que, de qualquer forma me encantou. Se bem que a cena tenha me parecido um oxímoro. Sim, um oxímoro, um paradoxo, quando se emparelham opostos. A natureza e a tecnologia fazendo minha alegria.

Garanto, contudo, que ficaria muito mais feliz ouvindo aquele canto (o mais brasileiro de todos) fluindo da copa de alguma árvore.

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