sexta-feira, 1 de junho de 2018

CONTOS CORRENTES

ÁRVORE SEMENTEIRA
(Nic Cardeal)

Às vezes me lembro de um tempo em que fui árvore. O momento em que a semente tocou o chão, adormeceu na terra quente, germinou tão de repente, esticou raízes em seu ventre. O tronco subindo em direção aos céus, galhos seguindo livres para todos os lados, folhas verdes abrindo-se em leques sem receios.

Às vésperas de me povoar de flores eu me enchia de muitos sabores. Podia sentir o cheiro adocicado do perfume seguindo a seiva, das raízes às folhas, das entranhas à superfície da copa, do caule às alturas. Eu, que sempre temi as alturas, estava ali, no topo de minha linha de vida feito árvore, no balanço do vento, no rebento da primavera, na dança enraizada da mãe terra, no inverno gelado ou no outono marrom do mais escuro.

Às vezes vou me esquecendo que já fui verde. No entanto, por uma simples questão de destino, algo me vem à tona, meio em desalinho, e me pego sentindo a seiva a percorrer as minhas veias. Não que seja loucura. De fato, a questão é mais profunda: a um simples toque da alma, posso sentir o vento a soprar minhas folhas, deixando-as risonhas, bailarinas, indo pra lá e pra cá, na sujtil, ainda que desconcertante, dança da realidade.

Ainda que me perguntes se não posso ser triste por lembranças de raízes presas e folhas secas caindo ao tempo, digo-te, no entanto, só foi possível o encanto das folhas voando ao sabor do vento graças às raízes sabiamente guardadas na terra escura! Uma boa liberdade só existe diante de raízes decentes!


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