A primeira vez
Quando o Adamastor, aquele gigante camoniano, tocou ontem a campainha aqui de casa, já imaginei o que o interessava. Não esperou que eu terminasse o café e perguntou como eu me sentia depois do aniversário. Ora, me senti... bem, como dizer?Na verdade me senti bastante atrapalhado foi para falar sobre o assunto, pois era a primeira vez que completava oitenta anos, e isso sem a menor preparação ou ensaio. De repente, e sem que esperasse, lá estava eu octogenário.
Mas confesso que a passagem não me fez mossa alguma.
Claro que já não pulo ou corro como fazia antigamente, mas tais deficiências não esperaram o dia em que ultrapassei a barreira da maturidade para a condição de idoso para então se manifestar. Tudo que fazia aos setenta e oito, setenta e nove, continuo fazendo. A passagem é apenas símbolo de uma situação, pois o tempo, apesar de opiniões contrárias, não se passa aos trancos, ele flui contínuo, e não é por outra razão que muitos, mesmo entre filósofos e literatos, usam o curso de um rio como metáfora da passagem do tempo.
Uma coisa, entretanto, não me ficou bem clara: o desejo de repetir o evento. Fui agraciado com o carinho de muita gente (e não imaginava ser estimado por esta multidão), comi bolo, tomei vinho,
sem ouvir reclamação nenhuma.
Até que tentei esconder-me numa pousada distante para evitar qualquer festa, mas fui descoberto e por fim já estava cantando “parabéns a você”. Não me queixo, as pessoas estavam muito simpáticas, até alegres por me considerarem mais velho. No fim, entrei no espírito da festa e mesmo sem saber se tinha vivido mais um ano ou se teria um ano a menos para viver, cantei como um adolescente.
Uma das surpresas com que conseguiram me emocionar, foi uma realização da Roseli, minha mulher, e da Sylvia Leite, parceira nas redes sociais. Pelas minhas costas, sem que eu suspeitasse minimamente, prepararam um livro artesanal com algumas de minhas crônicas, aquelas que eu vivo repetindo que nunca serão publicadas, pois crônica só se publica, ou se deve publicar, de quem atingiu a fama e vai encontrar leitores. Rua das Laranjeiras ficou um luxo. Elas trabalharam em silêncio, e sob os olhares de nosso Grupo de Leitura Dom Quixote, levei um tremendo susto ao receber o pequeno livro com uma capa em que aparecia o nome deste autor.
Bem, agora acho que chega de surpresa. Cheguei lá, já cheguei lá, e agora é esperar para ver o que acontece. Para mim, passados os momentos de comemoração e alegria, parece que tudo volta ao normal como se nada tivesse acontecido.
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