segunda-feira, 17 de setembro de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff

Ainda uma vez: maniqueísmo


O maniqueísmo começa como doutrina religiosa na Pérsia, séc. III da era cristã, e foi fundado por Maniqueu, também conhecido como Mani ou Manes. A doutrina baseava-se na convicção de que o Universo fora formado por princípios antagônicos e irredutíveis. Deus x Diabo, bem x mal, luz x trevas, espírito x matéria etc. De corrente religiosa, que dura mais de oito séculos, o maniqueísmo acaba impregnando a visão de mundo de grande parte da população.

No séc. XIX, sobretudo, o pensamento dominante ocidental era maniqueísta. O mundo está dividido em seus extremos. O herói romântico está do lado da luz, só pratica o bem, despreza a matéria. O antagonista, seu opositor, não tem o menor traço de bondade. Vilão é vilão. Vocês estão lembrados dos faroestes? Mocinho nunca tem um pensamento mau, pois ele é mocinho.

Depois de umas tantas descobertas, começamos a relativizar verdades até então intocáveis, e começou-se a entender o homem moderno, aquele em quem convivem mal e bem, luz e sombras.
Ninguém está livre de cometer um assassinato quando deita e encosta a cabeça no travesseiro. Este ser complexo, que vive todas as mediações entre os extremos, eis o homem moderno.

O maniqueísmo como forma de ver o mundo está hoje ultrapassado, mas sobrevivem seus traços, e muito fortes, em algumas modalidades culturais e principalmente em alguns países.

A Federação dos Cegos dos Estados Unidos move atualmente furiosa campanha contra o filme Ensaio sobre a cegueira, baseado em obra homônima de José Saramago. Dirigem-se ruidosamente para a frente de cinemas onde o filme esteja sendo exibido, tentando evitar a presença do público. Por quê? Segundo eles, que não viram o filme, os cegos são apresentados como maus, degenerados. E os há. Aparecem aqueles que procuram tirar proveito da situação. Mas há também os cegos que praticam o bem, que procuram unir-se para resistir aos maus e existe ainda a maioria, que em gradação vai de
um extremo ao outro.

Quando se vive em uma sociedade que desconhece coisas tão simples como são as metáforas, a mesma sociedade que divide o mundo entre o bem (lado de cá) e o mal (os outros), que acredita em seus próprios faroestes e super-heróis, que incute o maniqueísmo no pensamento infantil utilizando historinhas para imbecilizar crianças, quando se vive em uma sociedade assim, vive-se exatamente na sociedade metaforizada por José Saramago em seu livro.

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