segunda-feira, 19 de novembro de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.

A velhice da crônica


Durante algum tempo, como fazem cronistas precavidos, mantive um banco de crônicas. Era uma notícia de jornal, a lembrança fugaz, qualquer experiência do dia, que me arrancasse da rotina, tudo ia sendo transformado em crônica. Aquele banco de crônicas era meu sossego, minha garantia. Podia adoecer, sair de viagem, vagabundear, sem preocupação com a próxima crônica. Ela estava pronta, com todas as vírgulas, num arquivo do micro. Um conforto.

Mas o tempo passou e as necessidades modificaram-se. Não continuei alimentando o tal banco, que aos poucos diminuiu, mas que permaneceu com cerca de dez crônicas residuais, esquecidas no fundo do quotidiano.

Outro dia, por engano, abri a pasta onde as mantinha mofando. Então não resisti e passeei minha curiosidade pelo meio delas. Passeando, cheguei a pensar que algumas seriam aproveitáveis, porque, enfim, eram pedaços meus que fui largando ao longo do caminho. E, sem querer abusar do Machado de Assis, senti saudade de mim mesmo.

Reli uma primeira em que havia escrito: Mas acontece que, apesar de moribundo, o Celso Pitta de morto é que não tem nada. Muito vivo é o que ele é.

Vivíssimo. Ora, meu caro leitor, quem poderá estar ainda interessado nas mutretas de um ex-prefeito, mesmo que o seja de uma das maiores cidades do mundo? A crônica estava velha, ela sim, moribunda.


Na segunda tentativa, encontrei uma afirmação estapafúrdia do Ministro da Educação, coisa de que ninguém mais se lembra: O Ministro da Educação, num arroubo popular, quisera dizer que a escola é aborrecida, entediante. Lembrei-me do tempo em que freqüentava esse tipo de instituição. Se deixassem por minha conta, eu passava o dia lendo gibi e outras revistas do gênero, que eram muito mais divertidas do que aprender o nome dos ossos e o quadrado ou o cubo das hipotenusas. Meu pai, um homem antigo, dizia: Tuas revistas, só depois dos deveres cumpridos. Chamávamos as lições de casa de deveres. E ai de quem descuidasse dos deveres. As exigências começavam em casa mesmo. E os castigos também. Mas meu pai era um homem antigo.

Ficava exigindo que cumpríssemos, eu e meus irmãos, estes tais de deveres. Que razões me fariam comentar, depois de tanto tempo, uma bobagem ministerial?

Alguém se lembra daquele caso de um partido político encomendando História, assim com H maiúsculo? Pois é, ninguém se lembra e por isso a crônica não serve mais.

Na época, escrevi: Bem, que o PSDB esteja querendo reescrever a História do Brasil, em si, não me parece tão preocupante, mas existem dois pontos a considerar. Vocês já imaginaram se a moda pega!? O PMDB vai querer dar sua versão, e pode dizer que o Tiradentes não morreu coisa nenhuma, ele só está esperando a situação acalmar, descansando em uma fazenda de Vila Rica; e o PT não vai deixar
por menos, provando que Tomás António Gonzaga foi preso quando tentava promover a Reforma Agrária e sua ida para Moçambique foi apenas uma saída estratégica, para iniciar, a partir da África, a Campanha Abolicionista; o PFL e outros partidos mais à direita vão provar que o ACM é herdeiro direto de Maurício de Nassau, e que a Companhia das Índias Ocidentais desfilou nuazinha em pêlo na Barão de Sapucaí. O Stanislaw Ponte Preta, meu compadre, ele é quem sabia das coisas, um dos mais bem informados profetas deste País varonil, ao compor seu Samba do Crioulo Doido.

Então voltei a me lembrar do Tomás Antônio Gonzaga: Sobre as nossas cabeças/Sem que o possam deter, o tempo corre. Não sei se pode servir de consolo, mas acabei de descobrir que as crônicas, pelo menos, envelhecem mais depressa do que nós.

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