segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne cônicas de Menalton Braff.

O neoliberalismo agachado
ou Algumas idéias de quatro


Na França do século XVIII, um comerciante de nome Gournay levantou a bandeira do laissez-faire, que os fisiocratas empunharam imediatamente. Estava inaugurado o liberalismo.

Raras vezes ouvi falar, em minha juventude, neste nome: neoliberalismo. Os economistas, a mídia, as pessoas ligadas ao assunto, se não me engano (e costumo me enganar) começaram a usar a palavra e os conceitos com certa insistência há coisa de uns vinte, vinte e poucos anos para cá. Isso no Brasil.

A defesa do neoliberalismo resultou algumas atitudes até meio furiosas. Às vezes ridículas. O Estado, diziam e dizem os neoliberais, não têm nada que se meter na economia do país. Banqueiros, industriais, fazendeiros e seus asseclas sem poder, mas com vocação para puxar o saco de quem o tenha, organizaram um coro bem afinado para cantar um hino à liberdade total do mercado para resolver seus próprios problemas.

As leis do mercado passaram a ser exaltadas, glorificadas. E o hino era de tal maneira belo que acabou encantando a todos. Ou quase todos.

Nos Estados Unidos da América, a segunda pátria do liberalismo (agora renovado), a coisa pegou de maneira brutal. E isso que por lá se apregoa o fim das ideologias. Qualquer interferência do Estado
nas atividades econômicas sempre foi, no Tio Sam, taxada de atitude comunista. Os mecanismos do mercado sabem melhor do que nós como resolver os problemas. No verdadeiro capitalismo, o Estado deve ser diminuto, barato, e deve ficar fora das questões de produção, distribuição e consumo.

Bem, parece que as coisas andaram mudando por lá. A crise dos bancos hipotecários, a série de falências sucessivas mandou que os economistas por lá começassem a teorizar de maneira diferente. Os economistas daqui, depois de lerem o que disseram os economistas de lá, acho que também vão assimilar novas teorias.

Houve uma época em que os bancos especularam, esbanjaram, ganharam muito dinheiro. Bem como a agricultura brasileira. Nessas circunstâncias o Estado era um demônio que melhor mesmo seria nem existir. Lá como aqui. Novela vista vezes sem conta. Agora entraram em crise. Ficaram nervosos. Sim, porque o mercado de vez em quando apresenta-se com uns chiliques de neurastenia que dá vontade de interná-lo na Casa Verde, do Machado.

E de demônio, que era, o Estado passa a anjo salvador. Ora, pra que tanto cinismo? Então isso não é pura e simplesmente a ação da ideologia? O que é bom pra mim, é bom pra sociedade. Em 1700 e nada a Inglaterra, a França e outros países mais já conheciam esse tipo de pensamento.

Lembro-me de um livro que li, do Celso Furtado, de que pouco entendi, mas de onde aprendi algumas lições. Falando dos cafeicultores brasileiros, Celso Furtado diz que eles sempre privatizaram os lucros. Isto é, no tempo das vacas gordas, ninguém mexesse no lucro deles. Era o sagrado direito à propriedade privada e seu uso livre de qualquer ingerência. Mas vinha o tempo das vacas magras, então a gritaria era grande, clamando pelo socorro do Estado. Ou seja, socializavam-se os prejuízos.

Ah, sim, porque uma empresa não pode falir. Se ela tem uma função social, como deixá-la ir à
bancarrota?

Se os bancos, as lavouras, as indústrias só se lembram de sua função social quando estão no vermelho, exigindo que todos nós os socorramos, proponho que se estenda essa função social também para os períodos em que estão no azul, socializando igualmente seus lucros.

Não seria mais justo?

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