Esta coluna reúne entrevistas antigas de Menalton Braff em diferentes veículos. O objetivo é proporcionar ao novo leitor do blog o acompanhamento de sua trajetória literária e, ao antigo leitor, uma segunda leitura das entrevistas que mais lhe agradaram.
A entrevista escolhida para ser postada hoje foi publicada pela revista Outros Ares, em maio de 2011.
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A entrevista escolhida para ser postada hoje foi publicada pela revista Outros Ares, em maio de 2011.
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A literatura tem um problema, sim, que é a falta de leitores
Nascido no município de Taquara, no interior do Rio Grande
do Sul, Menalton Braff é um dos mais talentosos escritores brasileiros em
atividade. Radicado no estado São Paulo há mais de quatro décadas, nos últimos
anos a produção de Menalton vem sendo majoritariamente romanesca, mas isso não
o impede de ser um dos mais brilhantes contistas brasileiros das últimas
décadas.
Suas últimas duas coletâneas de histórias curtas são “A
coleira no pescoço“, de 2006 – finalista do Prêmio Jabuti daquele ano, e de
longe uma das melhores coletâneas de contos publicadas nos últimos anos – e “À
sombra do cipreste”, de 2000, eleito Livro do Ano pelo Prêmio Jabuti daquele
ano, na categoria Ficção.
Menalton Braff escreve de forma simples, mas não a ponto de
sua prosa ser simplória. Seus últimos dois livros comprovam isso: os romances
“Moça com chapéu de palha” (2009) e “Bolero de Ravel” (2011) são simples porém
sofisticados. O trabalho que Menalton Braff faz com a linguagem é invejável e
digno dos maiores elogios.
Felizmente, assim como sua prosa, o autor é de uma
simplicidade comovente, e prontamente aceitou o convite feito pela Outros Ares
para nos conceder uma entrevista e também um conto de sua autoria, inédito em
livro, que publicamos neste primeiro número com muita honra e orgulho.
Outros Ares: Vamos começar com aquelas perguntas clássicas:
como e quando você começou a escrever? Em qual gênero você arriscou suas
primeiras linhas?
Menalton Braff: Assim que aprendi a escrever, cinco anos de
idade, eu quis escrever poesia. Gostava de ouvir e de contar histórias, mas na
hora da escrita parece que tinha que ter métrica e rima. Isso durou até mais ou
menos os catorze anos, quando me deu vontade de escrever um romance.
OA: Seus dois primeiros livros foram publicados sob o pseudônimo
de Salvador dos Passos. Você foi perseguido politicamente pela ditadura e
precisou “desaparecer” por algum tempo. Poderia falar um pouco sobre isso? Você
chegou a ser preso por causa da militância?
Menalton Braff: Um amigo meu e eu rodávamos uns panfletos
contra a guerra do Vietnã em um mimeógrafo de madeira, que na época era o que
se tinha. Um sujeito que tínhamos por companheiro visitou-nos na sala onde
trabalhávamos numa sexta-feira, no sábado meu amigo foi continuar o trabalho e
o exército estava esperando que ele entrasse no prédio onde ele foi preso. Na
segunda de manhã, quando ia chegando, desconfiei de umas pessoas com idade,
cabelo, passos, pose, tudo militar. Já nasci desconfiado, por isso me escondi
no Parque da Redenção, de onde assisti à revista que impuseram a todos que
entravam no prédio. Nunca mais me encontraram. Nunca fui preso, mas fui
obrigado a sumir e abandonar meu nome até a anistia de 1979.
OA: A distância entre seus dois primeiros livros e o
terceiro, “À sombra do cipreste”, é de 14 anos. Por que esses anos todos?
Existe alguma chance de republicar esses primeiros livros já esgotados
(inclusive os publicados pela Palavra Mágica)?
Menalton Braff: Não publicaria os dois primeiros. Foram meus
exercícios da formação. Depois deles fui fazer Letras e durante muito tempo
fiquei digerindo a literatura, estudando teoria e principalmente aprendendo
alguma coisa sobre técnicas narrativas. Não sentia coragem de escrever enquanto
estivesse tão cru sobre esses assuntos. Acho que me fez muito bem ter parado
esses anos todos. Foi a época em que mais li em toda minha vida. E também o
período em que mais aprendi.
OA: Seus últimos dois livros “adultos” – os romances “Moça
com chapéu de palha” e “Bolero de Ravel” – usam construções relacionadas à pintura
(impressionismo) e à música (o andamento do Bolero) respectivamente. Quão
interessado você é pelas outras artes? O quanto elas interferem em suas obras?
Você pratica alguma outra forma de arte além da literatura?
Menalton Braff: Desde criança me interessaram todas as
manifestações artísticas, mas a música, principalmente, sempre esteve em meu
caminho. Antes de pensar em ser escritor, eu queria ser pianista. Estudei sete
anos de piano e só parei quando descobri que precisava escrever. Hoje sou consumidor
de música, principalmente a música erudita. Uma vez por mês vou a um concerto
mensal que a Orquestra Sinfônica local apresenta. Além disso, sempre que posso
vou a São Paulo para exposições de pintura, mas praticar como agente da arte,
isso não, sou apenas um consumidor. Nunca tentei, por exemplo, escrever para
teatro, e é uma manifestação artística que me encanta profundamente.
OA: Desde “A coleira no pescoço”, publicado em 2006, você
não publica uma coletânea de contos. Você continua a escrevê-los? Quando
poderemos ver uma nova reunião de histórias curtas escritas por você?
Menalton Braff: Continuo escrevendo contos, sim. Mas as
editoras não gostam muito do gênero. Tenho uma coletânea pronta, “Jardim
Europa”, que há vários anos espera sua vez, mas quando digo que também tenho um
romance inédito, minha coletânea volta pra gaveta. Vou começar a esconder os
romances. (risos)
OA: Apesar de o Brasil ter exímios contistas – Machado de
Assis, Murilo Rubião, Osman Lins, entre outros -, o gênero parece ser um tanto
menosprezado em nosso país. Você também tem essa impressão? Se sim, arriscaria
dizer por que isso acontece?
Menalton Braff: Tenho essa impressão não, tenho certeza
disso, pois faz parte de minhas relações com editoras. E me parece que é uma
questão de mercado. Os editores costumam dizer que o público leitor prefere o
romance, que conto encalha, essas coisas assim.
OA: As facilidades tecnológicas permitiram o surgimento de
novas editoras pequenas, muitos escritores independentes e uma nova situação
dentro das editoras tradicionais – o que faz com que caia sobre o próprio
escritor a responsabilidade de divulgar sua obra. Você usa bastante a internet
(com um site bem feito e um blog) e viaja muito, principalmente pelo interior
de São Paulo. Como você vê o uso da internet para a divulgação da sua
literatura e a interação com os leitores?
Menalton Braff: Não, eu não uso a internet a não ser para
avisar aos amigos que estou lançando um livro novo. Eu não sou muito bom de
navegação, não tenho Twitter, Facebook, essas coisas de contatos porque isso
toma muito tempo, e tempo é mercadoria escassa no mercado. Tenho um site que
atualizo sempre que surge algo novo, e dou minha agenda para uns dois, três
meses adiante. No blog faço mais ou menos a mesma coisa, uma crônica, um conto
curto, algumas notícias sobre meus itinerários, alguma resenha e pouca coisa
mais. Mas viajo. Tenho sido convidado para feiras e palestras e atualmente faço
disso minha profissão. Larguei o magistério e fui para a estrada. As viagens,
contudo, não são para divulgação de meus livros. Se isso acontece, tanto
melhor, mas não é o objetivo central. No dia 15 de abril, fui à Bienal do Livro
de São José dos Campos, para o Papo de Autor. Meu tema era “O que é isso
literatura?”, e foi o que desenvolvi. No fim, acabei autografando alguns
“Bolero de Ravel”. Achei muito bom, pois não tinha viajado pensando que poderia
autografar. Sabe, a divulgação se dá naturalmente, mesmo quando não faça parte
dos propósitos da viagem.
OA: Conte um pouco sobre o Congresso de Escritores que a
União Brasileira de Escritores prepara para este ano e o seu papel como diretor
de integração nacional. Como fazer com que os novos escritores se interessem
pela entidade?
Menalton Braff: Bem, a UBE, fundada sob a inspiração de
Mário de Andrade, Sérgio Millet e outros intelectuais da época, tem o propósito
de ser a entidade representativa dos interesses dos escritores brasileiros, a
entidade que seja a interlocutora dos escritores com instâncias oficiais e
particulares. Além disso é o espaço onde se dão as discussões sobre direitos
autorais, censura, relações autor-editora e tudo aquilo que for de interesse
dos escritores como segmento social. O último Congresso foi realizado em 1985,
isto é, há vinte e seis anos. Há muitas questões que estão a exigir uma posição
dos escritores como classe. É o caso, por exemplo, das diversas censuras, mas
principalmente da censura social. Estamos vivendo um retrocesso de
conservadorismo moral que causa preocupação. Só nos falta o surgimento de um
índex para voltarmos à Idade Média. Precisamos discutir isso, precisamos botar
a boca no trombone. Então resolvemos convocar um novo Congresso, que vai
acontecer entre os dias 12 e 15 de novembro deste ano. Sou membro da comissão
de organização do Congresso e estou na linha de frente, pois o mesmo vai
acontecer aqui em Ribeirão Preto. Quanto aos novos escritores, não há muito o que
se possa fazer. Eles só com o tempo vão percebendo a necessidade de uma
organização que os represente. Mas procuramos atraí-los e a UBE está aberta à
participação dos jovens.
OA: Fala-se muito de baixas vendas, pouco investimento
nacional, pouca divulgação a escritores locais e baixa escolaridade – fatores
que juntos ou separados formam o “problema” da literatura brasileira atual.
Antes de tudo, a literatura tem problemas? Quais são os principais, na sua
opinião, e quais seriam as soluções?
Menalton Braff: Bem, são muitas as variáveis. A leitura vai
muito bem, as editoras e livrarias não se queixam, pois nunca venderam tanto. O
problema começa quando se abre o termo “leitura” para ver o que tem dentro.
Então se descobre que best-sellers, autoajuda e outros bichos da mesma espécie
é que estão sendo consumidos no Brasil. A literatura vai mal do ponto de vista
comercial. São poucos os leitores de literatura. É uma espécie de elite de
leitores, aqueles que já apuraram o gosto e a sensibilidade. Então pode-se
dizer que a literatura tem um problema, sim, que é a falta de leitores. Pouco
investimento, pouca divulgação, isso só acontece porque não há retorno. Se as
pessoas lessem literatura, as editoras investiriam, pode crer. Então é aquele
negócio: as orquestras sinfônicas precisam ser subsidiadas pelos governos
porque morreriam à míngua se dependessem de público. Por que não há necessidade
de subvencionar uma dupla sertaneja? Porque o público consome. A lógica é a
mesma. Vivemos um regime de mercado e a arte que não seja popular não sobrevive
sem o mecenato governamental. A baixa escolaridade é um dos itens do problema,
mas é bem secundário. Conheço muito professor que não lê mais do que um livro
por ano. Conheço muito intelectual que nunca foi a um concerto. É uma questão
cultural que, se tiver solução, será a muitíssimo longo prazo.
Leia a seguir o conto A dona da casa.
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