
Verde nem sempre é vida
Fui contratado pela APAA (Associação Paulista dos Amigos da Arte) para viajar e viajei. Durante o mês de setembro fui me encontrar com a primavera bem longe de casa. Conversei com muita gente, falei até a rouquidão para adultos, adolescentes e crianças. O assunto era a leitura, o livro e a biblioteca. Aliás, recinto em que se deram todos os encontros de que participei.
Nessas viagens, conheci muitas cidades de que tinha alguma notícia e outras que nem isso eu tinha. Cidades com vocação a metrópoles, algumas; algumas perdidas no tempo e no mapa. Não importava o tamanho. A condição sine qua non era que houvesse uma biblioteca. Visitei bibliotecas antigas, com acervo imenso, e bibliotecas nascendo com sua meia dúzia de livrinhos cheios de esparadrapo e outros tipos de fita adesiva por fora e por dentro. O povo participa.
Mas o mais surpreendente, dessas viagens, aconteceu em uma cidadezinha cercada, quase sufocada, pelo verde das lavouras e dos matagais. Vendo-a do alto e de longe, tive a impressão de que a natureza, num de seus cochilos, tinha permitido que o homem construísse ali sua morada.
Na frente da biblioteca, tive a estranha impressão de que entraria em um templo dedicado à defesa da natureza. Portas e janelas deixavam-me ver folhas e flores de todas as formas numa exuberância de dar gosto. Incauto cronista, este que aqui rabisca. Pois foi minha impressão, minha estranha
impressão, a primeira coisa que disse à bibliotecária tão logo a cumprimentei. Ela sorriu orgulhosa com meu elogio. Mas desviou o assunto para as razões de minha visita e fiquei ouvindo encantado aquela Iracema, cujos pés descalços mal roçavam a alfombra verde e úmida.
Atrás de mim havia dois vasos e, primeiro, desconfiei daquela ausência absoluta de perfume. Cheiro de nada. Dei um passo à retaguarda e, segundo, desconfiado, enfiei a unha em uma daquelas flores de vivo verde. Vivo, no sentido de intenso, porque quase quebrei a unha. O que havia atrás de mim, era tudo fruto de petróleo, plástico puro.
Girei meu olhar em volta e percebi que, apesar de toda aquela variedade, não havia ali uma única planta com vida. Perguntei à bibliotecária se eles não gostavam de plantas de verdade.
− Ih, ela respondeu, isso a gente já tem até demais cercando a cidade.
Então me lembrei: em quase toda cidade, seja do porte que for, cada palmo de espaço, digamos, ocioso, as pessoas cobrem com cimento. Já vi quintais inteiros inteiramente cobertos de cimento.
Vergonha das origens?
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