segunda-feira, 1 de julho de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. 

Todo mundo


A cem metros da orla da mata, ouvindo o cantar de uma cachoeira, me bateu a vontade de registrar umas reflexões que vinha fazendo ontem antes de dormir mergulhado em um silêncio refrescante. Como a televisão procura conformar as opiniões e o gosto das pessoas para então tirar algum proveito disso. Infelizmente a grande maioria da população não tem como distinguir a mentira da verdade que lhes é apresentada.

Dias antes de março vi num canal de televisão alguém (um jornalista que é apenas a voz do patrão, como é comum atualmente) afirmando que os brasileiros gostam de carnaval. Ora, se o dito jornalista tivesse passado mesmo que de leve pelo Aristóteles, pelo menos enrubesceria ao fazer tal afirmação, porque “os brasileiros” é um universo, e, nesse sentido em que ele usou a expressão, eu não caibo. “Os brasileiros” corresponde a “todos os brasileiros” e se não caibo nesse universo, a afirmação torna-se uma mentira. Vocês, quero dizer, os que dominam as técnicas da leitura, já leram ou ainda podem ler o mais simples e conhecido dos silogismos do Estagirita: Todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Se um dos sujeitos da proposição e apenas um estiver fora do universo (todo), o silogismo não fecha. Portanto “osbrasileiros” correspondendo a “todos os brasileiros” é pura empulhação. O correto seria dizer “alguns brasileiros” ou coisa que lhe corresponda.

As pousadas aqui do interior de São Paulo, e me corrijo, algumas delas, aquelas a que tive acesso, estão sem mais vagas para quem quiser fugir do carnaval. Aliás, na minha opinião, uma festa em decadência. Não há mais o que liberar se durante o ano inteiro a maioria das pessoas já está liberando. Uma festa que teve sua função social, mas que não tem mais. É o caso da gravata, uma
invenção napoleônica para que os soldados tivessem como livrar-se do muco nasal, principalmente nas campanhas de inverno. Depois, esqueceu-se a origem, sua função inicial.

Outra inverdade em que a todo momento tropeçamos é que “todo brasileiro gosta de futebol”. Se eu não conheço dez amigos que não gostam de futebol não conheço nada. Aos poucos o esporte bretão, originalmente um jogo urbano, vai penetrando na zona rural. Mas aos poucos. Empiricamente posso afirmar que mais da metade dos trabalhadores da roça não participam desse “todo brasileiro”.

Ora, mas com que propósito a mídia comete tais inverdades? Bem, a maioria das pessoas sabem que os órgãos de comunicação vivem de seus patrocinadores, e que a quantidade de patrocínios e seu valor dependem da quantidade que o órgão consegue mobilizar (diria melhor imobilizar, mas essa é outra discussão), portanto, os pequenos truques que a mídia comete para aumentar sua audiência (diga-se: lucro) são quase invisíveis, entretanto muito eficientes.

Para descansar, olhei para minha esquerda e meus olhos nadaram nos mais variados tons de verde que ali do riacho subiam cobrindo a colina. Melhor agora é descansar.

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