segunda-feira, 31 de agosto de 2020

CARTAS DO INTERIOR

 Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. A de hoje é inédita.


Finalmente está chegando

Acredito já ter abordado este assunto outras vezes por aqui. Se posso confiar ainda na minha memória, ouso afirmar que o assunto me ocorre uma vez por ano, todos os anos.

E por razão bastante simples de explicar: sofro muito com o calor. Durmo mal e mal me alimento, fico sem vontade de trabalhar, minha pressão cai lá pelos calcanhares, o suor que gruda minha camisa nas costas é muito desagradável. Ainda bem que este ano posso ficar praticamente o tempo todo dentro de casa, porque além da meia hora que caminho de passos acelerados numa rua praticamente deserta aqui perto de casa, além dessa meia hora, posso passar o tempo que quiser sem sair para o tempo lá fora.

O sol brilha em tempo integral no seu turno e isso não seria tão incômodo se ele deixasse de nos bombardear com raios agressivos como se fossem flechas incendiárias.

Da terra sobem colunas de luminescências trêmulas, a visão do calor, os pardais, aqui em volta de casa, não fecham mais os bicos e procuram qualquer centímetro de sombra, o asfalto fica com as marcas dos pneus, as pessoas fedem.

Não aguentava mais olhar para a cara do rei dos astros. Está certo, as pessoas sensatas dizem que ele é necessário para as plantas, sobretudo para as plantas, coisa da fotossíntese, sem citar a clorofila porque se pode confundir com a cloroquina, tão útil para o bolso do senhor Trump. Sempre que ouço falar este nome, imagino aquela cabeça gorda tocando “trumpete” (um trocadilho infame, mas me deu vontade e alguém já disse, que mais vale a vontade do que uma boa razão). Tudo bem que seja necessário, mas não precisava ser tão agressivo.

Pois bem, hoje, ao levantar o que vejo? Um céu do qual já morria de saudade. E parafraseando o Bruxo do Cosme Velho, melhor morrer de saudade do que de gripe.

Nuvens cor de chumbo, de horizonte a horizonte, só nuvens. Elas, lá em cima, tão imóveis como se estivessem dormindo. Claro que na mesma hora meu humor melhorou, me permitiu prever um dia de temperatura agradável, dessas que um pouco agasalhados apreciamos o próprio corpo. A isso pode-se chamar conforto, bem-estar.

Quando vi passarem pela calçada pessoas vestidas de blusas ou camisas de manga comprida, pensei, hoje meu corpo vai estar sorridente. Ah, que saudade estava de um dia encoberto, desses em que se pode sair à rua sem receber na cabeça as flechadas incandescentes do sol.

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