segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

GRANDE SERTÃO: VEREDAS (27)

FAUSTO BRASILEIRO

Surgiram na Alemanha as histórias a respeito de um Fausto, que teria vendido a alma ao diabo em troca de benefícios. O primeiro livro abordando o tema foi História von dr. Johann Fausten, de 1587, por Joahnn Spiess. De lá até nossos dias, romances, peças de teatro, filmes surgiram com frequência.
Entre os mais famosos, o poema épico de Goethe, Faust, eine Tragödie, de 1808. Puchkin, Grabble, Valéry, Fernando Pessoa e muitos outros autores aproveitaram a temática faustiana. Thomas Mann produziu seu genial romance Doktor Faustus, em que a erudição musical do autor tem grande importância.
Guimarães Rosa, no romance que temos acompanhado, Grande sertão: Veredas, faz de Riobaldo uma tentativa de Fausto.

Pág. 499 - "Eleé? Ele póde? Ainda hoje eu conhepço tormentos por saber isso; transtempo que agora, quiando as idades me sossegam. E o demo existe? Só se existe o estilo dele, solto, sem um ente próprio - feito remanchas n'água."
(...)
"Se pois o Cujo nem não me apareceu, quando esperei, chamei por ele? Vendi minha alma algum? Vendi minha alma a quem não existe? Não será o pior?... Ah, não: não declaro."
Pág. 500 -" E o diabo não há! Nenhum. É o que tanto digo. Eu não vendi minha alma. Não assinei finco. Diadorim não sabia de nada. Diadorim só desconfiava de meus mesmos ares."
Pág. 501 - "Ora, veja. Remedêio peco com pecado? Me tôrço! Com essa sonhação minha, compadre meu Quelemém concorda, eu acho. E procurar encontrar aquele cqaminho certo, eu quis, forcejei; só que fui demais, ou que cacei errado. Miséria em minha mão. Mas minha alma tem de ser de Deus: se m]ao, como é que ela podia ser minha? (...) Então, não sei se vendi? Digo ao senhor: meu medo é esse. Todos não vendem? Digo ao senhor: o diabo não existe, não há, e a ele eu vendi a alma... Meu medo é este. A quem vendi? Medo meu é este, meu senhor: então, a alma, a gente vende, só, é sem nenhum comprador..."
(...)
"Na serra do Tatú, o frio ali é tal, que, em madrugadas, a gente necessita de uns três cobertores. Na serra dos Confins, meados de julho, lá já está sovertendo o laçaço dos ventos, desencontrados, de agosto; como que vente: árvores caídas. Aonde eu ia, todos achavam natural. Chefe é chefe. Será que eles não sabiam que eu não sabia aonde ia?"
Pág. 502 - "Assim que o Quipes, que retornava, depois de tantos meses. De desde que tinha cumprido a ordem de sair por travesso socôrro, de lá ondonde estávamos cercados em combates, na Fazenda dos Tucanos - o senhor se alembrará. Ele vinha certo e alegre. E, de ver um companheiro assim se aparecer, de ausências, a gente ganhava mais mocidade."
O conflito íntimo de Riobaldo, a luta entre Otacília (a noiva) e Diadorim continua. Depois de longas reflexões sobre Deolinda, ele volta:
Pág. 505 - "O senhor saiba - Diadorim: que, bastava ele me olhar com os olhos verdes tão em sonhos, e, por mesmo de minha vergonha, escondido de mim mesmo eu gostava do cheiro dele, do existir dele, do morno que a mão dele passava para a minha mão. O senhor vai ver. Eu era dois, diversos? O que não entendo hoje, naquele tempo eu não sabia."
(...)
"A lá esbarramos e paramos, por uns dias. Me lembro, eu quis escrever uma carta."
Obs: esbarrar, no léxico de Riobaldo, é parar.
E a carta é enviada por um jagunço.
Pág. 507 - "Aí eu queria fazer um projeto: como havia de escapulir dele, do Temba, que eu tinha mal chamado. Ele rondava por me governar?"
(...)
"Eu não podia me firmar em coisa nenhuma, a clarezqa logo cessava. Daqueles avisos e propósitos, o montante movimento do mundo me delia, igual a um secar. E eu mesmo estava contra mim, o resto do tempo. Não estava? Todo o mundo, cada dia, me obedecia mais, e mais me exaltavam."
Pág. 508 - "Sair na escuridão, o senhor sabe: aqueles galhos de árvores batendo na cabeça da gente. (...) Uma vez, inda mais longe fui, do que nas outras. E dei com o lázaro."
Novo conflito: deve ou não matar o leproso? Por fim ele xinga e grita com o lazarento.
Pág. 508 - "Mas fincava de me olhar: ah, ele tinha dois olhos, no meio das folhas da folhagem."
Por fim se afasta para evitar a visão daquele homem. É ainda meio escuro e ele ouve barulho de gente que se aproxima.
Pág. 509 - "Quem vinha? Em já madruga-manhã, tudo clareado, reconheci: Diadorim! Embolsei a arma, sem razão. Diadorim me perseguia?"
(...)
"Então, num sutil, podia mesmo ser que ele quisesse estar tomando conta de mim? - Aí, nem nunca, nem! - eu rosnei, riso."
(...)
"...meu cavalo sacudiu o pescoço todo. Espiei em roda, até com a mão. Não vi o demo... (...) Como eu ia poder contra esse vapor de mal, que parecia entrado dentro de mim, pesando em meu estômago e paertando minha largura de respirar?"
Pág. 510 - "Não sou do demo e não sou de Deus!' - pensei bruto, que nem se exclamasse..."
Pág. 511 - "Desse, tive um cansaço enorme; pode que seja por não saber se matava ou não matava, caso ele ainda estivesse lá. Do leproso."
Mas Diadorim está por perto.
"Os olhos - vislumbre meu - que cresciam sem beira, dum verde dos outros verdes, como o de nenhum pasto. E tudo meio se sombreava, mas´só de boa doçura."
(...)
"Mas repeli aquilo. Visão arvorada. Como que eu estava separado dele por um fogueirão, por alta cerca de achas, por profundo valo, por larguez enorme dum rio em enchente. De que jeito eu podia amar um homem, meu de natureza igual, macho em suas roupas e suas armas, espalhado rústico em suas ações?! Me franzi."

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