segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ESTUDOS ACADÊMICOS

A doutoranda em Estudos Literários Mariângela Alonso publicou artigo na revista Querubim sobre o conto Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos, do meu livro Á sombra do cipreste.


Transcrevo, a seguir, o texto de  Mariângela Alonso.


OBS: A partir de agora, os artigos acadêmicos sobre meus contos e romances serão relacionados na barra lateral direita do blog, com links de acesso às publicações originais. 



Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 15 vol. 2 – 2011 ISSN 1809-3264 Página 45 de 183 NÓDOAS POÉTICAS E IMPRESSIONISTAS EM UM CONTO

DE MENALTON BRAFF

Mariângela Alonso

Doutoranda em Estudos Literários

UNESP - Campus de Araraquara – SP

Docente de Literatura Brasileira

Centro Universitário UNIFAFIBE (Bebedouro-SP).

Resumo: Estudo da permanência de traços líricos e impressionistas presentes na composição do conto Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos, narrativa que faz parte da coletânea Á sombra do cipreste, publicada em 1999 por Menalton Braff. A pesquisa fundamentar-se-á nas reflexões de Jean-Yves Tadié e Ralph Freedman, entre outros.

Palavras-chave: Narrativa poética; Impressionismo; Menalton Braff.

Abstract: Study of the permanence of lyrical and impressionistic strokes in the composition of the tale Girl in the rain: the trackless paths, narrative that is part of the collection In the shade of cypress, published in 1999 by Menalton Braff. Research will be based on the reflections of Jean-Yves Tadié and Ralph Freedman, among others.

Key-words: Lyrical novel; Impressionism; Menalton Braff.


Introdução

A narrativa poética ou romance lírico constitui-se em um gênero híbrido ao aproximar-se do poema em diversos aspectos. A aproximação com a poesia se dá principalmente pela presença de sonoridades, ritmos e metáforas, além do recurso da repetição. Também pelo recurso do mito, que é polissêmico.

No que concerne à enunciação, nas narrativas poéticas, o ponto de vista do autor exprime o objeto, na medida em que escolhe o que narrar, da mesma forma que na poesia, quando a subjetividade é expressa. Neste sentido, a análise da narrativa poética deverá levar em conta técnicas descritivas do romance e do poema, ao mesmo tempo.

As narrativas poéticas, diferentemente das narrativas realistas, trazem, como tema central, questões inerentes à condição humana. Seus personagens efetuam, muitas vezes, uma busca freqüente, de aspecto existencial. Assim, tais narrativas assemelham-se às narrativas míticas, na medida em que recriam o mundo através de símbolos. O herói assume um percurso, no qual o tempo exterior não é relevante, uma vez que o interesse recai sobre o tempo interiorizado, com suas angústias e seus gestos. O tempo torna-se assim, uma instância mítica, subjetiva, em que se instaura um processo de volta às origens, ou seja, o eterno retorno humano.

Por sua vez, o espaço é caracterizado principalmente por imagens, contando com a representação de lugares específicos e simbólicos. Nestes cenários, numa relação por vezes muito estreita com a personagem, cada imagem suscita a própria subjetividade do homem. Imerso nesses lugares, o lirismo narrativo propõe uma reflexão acerca da condição humana.

A difusão teórica a respeito da narrativa poética ou romance lírico foi postulada pelo norte-americano Ralph Freedman e pelo francês Jean-Yves Tadié, cujas obras ressaltam, principalmente, a condição de um gênero híbrido e dos rumos da arte. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 15 vol. 2 – 2011 ISSN 1809-3264 Página 46 de 183

Em The lyrical novel, Ralph Freedman estabelece como ponto de partida para sua análise as obras de Hermann Hesse, Andre Gide e Virginia Woolf. Ele demonstra, em seus apontamentos, a existência de diversos aspectos líricos, sobreviventes da herança simbolista.

A presença de uma subjetividade latente, de um ―eu‖ que se reflete continuamente, perpassa a obra dos autores escolhidos. Freedman insiste no fato de que o ponto de vista do autor seja o responsável pela descrição e recriação do mundo. Para dar vazão aos processos ocorridos na mente, o artista pode utilizar diversos recursos, tais como crônicas, diários, autobiografias __ elementos muito comuns às narrativas poéticas, como forma de compreensão do estado íntimo do escritor. Neste sentido, a busca interior do narrador assemelha-se à busca de um poeta, permeando o mundo e o ser.

O francês Jean-Yves Tadié, na obra Le récit poétique, estabelece a discussão dos temas das narrativas poéticas numa perspectiva estrutural. Retomando Jakobson, Tadié chama a atenção para a função poética da linguagem, ao confrontar os procedimentos da narração com a poesia. Ele observa o fato de que a função poética assume, nas narrativas poéticas, um papel bem mais relevante que a referencial:

[...] il y a là un conflit constant entre la fonction référentielle, avec ses tâches d‘évocation et de représentation, et la fonction poétique, qui attire l‘attention sur la forme même du message. Si nous reconnaissons, avec Jakobson, que la poésie commence aux parallélismes, nous trouverons, dans le récit poétique, un système d‘echos, de reprises, de contrastes qui sont l‘équivalent, à grande échelle, des assonances, des allitérations, des rimes [...] (TADIÉ, 1978, p. 8)

Espaço, tempo, personagem e mito relacionam-se, instaurando uma narração que cria seu próprio mundo, absorvendo os significados mais ocultos, que, num romance tradicional, não surtiriam grandes efeitos. Nas narrativas poéticas, tais significados são antes símbolos que empreendem uma viagem rumo ao autoconhecimento.

O surgimento da narrativa poética ou do romance lírico encontra-se relacionado à escola romântica, cujos autores empreenderam uma reflexão sobre o processo criativo, no qual a expressão do ―eu‖ do artista revelava uma intensa subjetividade. A Modernidade, por sua vez, foi palco da presença do ―eu‖ do narrador, já praticada anteriormente pelo Romantismo e pelo Simbolismo. Ao contrário dos narradores do século XIX, a ficção moderna é caracterizada pelo emprego cada vez mais freqüente do foco narrativo em primeira pessoa.

As narrativas poéticas instauram-se com a preocupação por aspectos míticos e a problemática das questões eternas. Como matéria dessas narrativas, Michel Raimond reconhece:

La couleur d‘une rêverie, la grâce d‘un objet, le mystère d‘une rencontre, tout cela, qui a alimenté le roman poétique, exclut une lourde structure en même temps que l‘observation réaliste ou psychologique courante. Symptôme non négligeable de la crise du roman que ce passage du réalisme au lyrisme, dans un genre qui paraissait voué à la peinture de la réalité. (RAIMOND, 1966, p. 225-6)

O poético surge, portanto, oferecendo possibilidades de questionamento, numa busca incessante e eterna. Nessa espécie de narrativa, residem questões de ordem filosófica e mítica, acerca do próprio ―eu‖. Assim, somados todos esses elementos, o presente artigo procura percorrer o perfil do conto Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos, de Menalton Braff, acentuando nele um olhar sobretudo lírico. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 15 vol. 2 – 2011 ISSN 1809-3264 Página 47 de 183

Nódoas impressionistas em uma rua industrial:

O conto Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos pertence à coletânea de contos intitulada À sombra do cipreste, publicada em 1999 por Menalton Braff. Foi com esta obra que em 2000 o escritor conquistou o Prêmio Jabuti, concorrendo com Carlos Heitor Cony e Nélida Piñon, autores já consagrados pela crítica.

Em muitos momentos, os contos de Á sombra do cipreste dialogam com as produções impressionistas do século XIX ao fazerem uso de um lirismo fixado ao estado de alma dos personagens, bem como aos aspectos memorialistas e sensoriais. Assim, a prosa de Braff desenha-se a partir de traços predominantemente intimistas.

Nosso objetivo não é o de enquadrar a obra de Menalton Braff na esfera do chamado Impressionismo, mas sim o de apontar a permanência destes traços no conto escolhido para análise, detectando, neste sentido, os possíveis diálogos entre os aspectos impressionistas e a prosa lírica braffiana. Para tanto, faremos primeiramente uma contextualização do movimento impressionista a fim de estabelecermos a atitude pautada no diálogo em que questão.

Podemos dizer que o Impressionismo foi um dos principais movimentos da arte ocidental do século XIX e talvez de toda a modernidade. Sua técnica originou-se a partir das experiências artísticas presentes na obra de pintores como Monet, Pissaro, Morisot, Renoir, Sisley e Bazille, os quais consagraram-se como os seus verdadeiros expoentes.

Tais pintores utilizavam em suas telas uma composição refinada, procurando captar a expressão direta da luz e das cores, contando, muitas vezes, com cenários ao ar livre, num acabamento perfeito. De acordo com Janice Anderson, os impressionistas ―[...] procuravam analisar a cor e o tom de um deterninado objeto o mais exatamento possível e pintar o jogo de uz sobre a superfície de objetos‖ (ANDERSON, 1997, p. 6).

No campo literário o Impressionismo conta com os escritores adeptos da chamada écriture artist e aparece nas composições de Henry James, Marcel Proust, Anton Tchékcov, Jules e Edmond Goncourt, além de Joseph Conrad. Precedentemente, há tendências impressionistas nas obras de Baudelaire, Daudet, Verlaine e Rimbaud. Enquanto fenômeno literário, Arnold Hauser observa as diferenças da técnica impressionista em relação à naturalista, sinalizando: ―O impressionismo é menos ilusionístico do que o naturalismo; em vez da ilusão, fornece elementos do tema, em vez de uma imagem do todo, as várias peças que compõem a experiência‖ (HAUSER, 1995, p. 899).

Trata-se, portanto, de uma expressão pautada pela sugestão dos objetos, bem como das sensações e subjetividades despertadas por eles. Assim, o Impressionismo procura atingir o momento essencial, trazidos à tona por meio do estado de alma, ou seja, a subjetividade do artista. Nestas obras, o apego à descrição sobrepõe-se à narração, procedimento justificado pela ação contemplativa ou poética, o que caracteriza o caráter eminentemente visual da composição.

A escrita impressionista opera uma atmosfera poética, na qual seu projeto de escrita busca não a retratação do mundo, mas sua revelação. Tal qual o trabalho do poeta, o narrador impressionista está submerso na eterna busca pela natureza primeva das palavras e a pluralidade de seus significados por vezes já esquecidos. É o que encontramos no conto de Menalton Braff. Nele, um narrador de primeira pessoa, caminha calmamente por uma rua industrial, descrita como ―melancólica e metalúrgica‖, com ―paredes sujas‖ e ―reboco carcomido‖. A cena engendra um quadro impressionista na medida em que a espacialização conta com a chuva e seus aspectos sensoriais. O cenário torna-se uma espécie de contemplação pictórica, semelhante ao pincel de um artista: Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 15 vol. 2 – 2011 ISSN 1809-3264 Página 48 de 183

Os primeiros pingos da chuva eu os ouvi na pureza de sua individualidade: alguns pesados, líquidos e sonorosos, pérolas que se espatifavam ao cair, e caindo levantavam o pó do passeio. Apenas os primeiros, porque em seguida desabou o aguaceiro de pingos homogêneos, massa contínua de sons sem identidade: água jorrada. Não me alcançou, pois começou a cair exatamente na hora em que cheguei à esquina e saltei para dentro do bar, feliz ainda por ter podido escapar. (BRAFF, 1999, p. 76 )

De dentro do bar onde toma cerveja, este homem observa contemplativamente a rua lá fora, notando a presença de uma moça vestida de azul: ―Seu vestido azul, seco ainda, tremulava ao vento sem temer o escândalo de seu gesto nervoso‖ (BRAFF, 1999, p. 76)

Por meio de uma descrição altamente plástica, o narrador introduz a moça da chuva. O estado contemplativo que toma conta do narrador remete a uma tela impressionista na medida em que tenta captar os movimentos e as cores que envolvem a moça. Neste ponto do conto de Braff é pertinente recorrermos aos apontamentos acerca do romance poético efetuados por Todorov. O teórico recorre à oposição feita por Novalis no romance Heinrich von Ofterdingen. Partindo das tendências observadas por Novalis, temos de um lado, os ―homens de ação‖, aos quais ―[...] não lhes é permitido entregar-se às reflexões silenciosas, ceder aos convites do pensamento meditativo‖; e por outro lado, os ―seres recolhidos‖, ―[...] para quem o mundo é interior, a ação contemplativa e a vida um secreto e discreto acréscimo das forças do interior [...] Esses homens são os poetas‖ (NOVALIS apud TODOROV, 1980, p. 100). Tais atitudes ecoam no conto de Braff, uma vez que o aspecto romanesco cede lugar ao lírico, presentificado pelo uso da primeira pessoa. Semelhante ao papel do poeta, o narrador de Braff oscila entre o plano do enredo e as imagens da chuva que eclodem.

Na perspectiva estrutural, é possível visualizar nas narrativas líricas, o plano sintagmático da narrativa, que se apresenta constantemente invadido pelo plano paradigmático da poesia. Ralph Freedman, ao postular importantes considerações acerca do romance lírico, oferece-nos um esclarecimento no que tange a esta questão:

Conventionally, the lyric, as distinct from epic and drama, is seen either as an instantaneous expression of a feeling or as a spatial form. The reader approaches a lyric the way an onlooker regards a picture: he sees complex details in juxtaposition and experiences them as a whole. (FREEDMAN, 1963, p. 6)

Esta concepção é importante para pensarmos o caráter impressionista apontado na obra de Menalton Braff, baseado sobretudo na contemplação interior, na criação de um mundo próprio. Esta tendência é observada nos protagonistas de romances líricos, nos quais o narrador e a personagem fundidos combinam-se para criar um ―eu‖. A cena comum de ficção ambientada em uma rua industrial torna-se uma textura do imaginário. Como bem assinala Ralph Freedman: ―The ‗I‘ of the lyric becomes the protagonist, who refashions the world through his perceptions and renders it as a form of the imagination‖ (FREEDMAN, 1963, p. 271). Assim, assemelhando-se ao projeto do poeta, a narrativa braffiana revela a tentativa desesperada de captar-se a si mesma, reescrevendo os objetos e os seres, de modo que esses adquiram no texto uma nova forma:

Eu caminhava apressado e descontente, olhando às vezes para o céu com a sensação de que tinha caído numa armadilha de onde não conseguiria escapar jamais. O céu que me restava era apenas uma estreita faixa cinzenta de nuvens que se moviam sem direção definida, de maneira mais ou menos frenética. (BRAFF, 1999, p.75)

No conto em questão, o cenário ocupa uma posição de destaque no que tange aos efeitos de sentido percorridos pelo narrador. Nas narrativas líricas, o espaço é parte integrante de uma Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 15 vol. 2 – 2011 ISSN 1809-3264 Página 49 de 183

dilatação interior marcada por imagens e percepções das personagens. Por meio das imagens suscitadas, há nestas narrativas uma significativa imagem do mundo e do ser, ou seja, a representação de espaços essencialmente simbólicos. Ao caracterizar a noção de espaço, Tadié discute tais questões:

L‘itinéraire, le voyage dans le récit poétique, représente ainsi la dernière étape dune évolution qui va du voyage extérieur au voyage intérieur, et du voyage intérieur à un voyage à travers ces grands espaces vacants que lês mots suffisent à engendrer . (TADIÈ, 1978, p. 67)

Na perspectiva lírica, o espaço ultrapassa os limites físicos e geográficos. Baseando-se em descrições do cenário, o conto de Braff traz a construção de uma atmosfera sensorial e intimista, tão cara à técnica impressionista. Logo em seguida o leitor é surpreendido pela descrição de uma caixa de papelão que se encaminha para um bueiro. A caixa parece percorrer um itinerário inexorável e angustiante, como se houvesse uma espécie de embate:

Joguei todas as minhas esperanças no momento em que a caixa chegasse àquela boca escura: sua última oportunidade. Não demorou quase nada para que isso acontecesse. De repente, a caixa tornou-se magnífica em sua muda resistência. Ela cresceu ao pressentir o perigo. Ergueu-se, altaneira, as mãos e os pés fincados nas bordas, recusando-se a aceitar passivamente o próprio fim. A água insistiu violenta, brutal, mas a caixa, apesar de trêmula, não arredava pé, não se movia. (BRAFF, 1999, p.77-78)

Inegavelmente o conto de Menalton Braff é permeado por aspectos impressionistas, com frases poéticas e descrições sensoriais. A escrita impressionista imobiliza o objeto, ou seja, a caixa de papelão, transformada pelo caráter lírico da cena.

O embate entre a caixa de papelão e o bueiro culmina no desaparecimento da moça, que é levada por um ônibus e roubada da visão do narrador:

Em pouco tempo a água já conseguira apagar seus lindos olhos negros, transformando a boca de lábios carnudos em um risco arroxeado, deformando testa e queixo, embrutecendo o que ainda há pouco era delicadeza e harmonia. (BRAFF, 1999, p. 75)

Semelhante a uma objetiva fotográfica, o olhar do narrador centra-se nos aspectos disformes da moça, fazendo com que as manchas se definem, assumindo formas e contornos mais precisos. Mais uma vez a cena ganha ares de uma pintura impressionista, sugerindo o apagamento das formas, dos contornos da moça tal como o borrão de água nas cores de um quadro.

O desfecho do conto traduz o mundo circundante de que participa o narrador, situado na hostilidade de uma rua industrial, mas antes de tudo situado também como ser-no-mundo, descobrindo sua solidão e seu isolamento. Resta somente ―uma parede encharcada e de reboco arruinado‖ (BRAFF, 1999, p.78 ). Desta forma, a experiência deste narrador dá-se pelo cenário no qual reage, uma rua industrial, que curiosamente ―[...] parecia há muito ter esquecido no abandono a própria aparência: charme nenhum‖ (BRAFF, 1999, p. 75).

É interessante observarmos uma espécie de circularidade presente neste final, uma vez que a cena do desfecho é semelhante a do início, fato que remete ao constante re-início da escrita e da experiência, semelhante ao circuito do ―tempo serpente‖ que morde incessantemente sua própria cauda, em movimento de eterna busca, de conclusão impossível para o narrador. Este procedimento de circularidade também é encontrado na poesia, conforme salienta Octavio Paz: ―[...] apresenta-se como um círculo ou uma esfera – algo que se fecha sobre si mesmo, universo Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 07 Nº 15 vol. 2 – 2011 ISSN 1809-3264 Página 50 de 183

auto-suficiente no qual o fim é também o princípio [...]‖ (PAZ, 1995, p. 83). Ao sobrepor início e fim, o conto de Braff tem como resultado a abertura de um círculo que não se fecha sobre si mesmo, engendrando algo como um movimento espiralado, uma viagem que requer a participação do leitor pelos ―ínvios caminhos‖.

Conclusão

Este artigo procurou descrever e discutir a permanência de aspectos impressionistas no conto Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos, de Menalton Braff. Não pretendemos, com este trabalho, reduzir a obra braffiana como impressionista, haja vista a distância de temporalidade que a separa dos primeiros impressionistas. Mas procuramos realizar um trabalho crítico de natureza dialógica, pautando-nos na permanência impressionista sobretudo no conto escolhido para análise. Assim, a leitura crítica do texto braffiano poderá suscitar novas leituras, que com esta possam dialogar.

A construção do discurso foi analisada, de modo a revelar pontos comuns à técnica da narrativa poética ou romance lírico na medida em que o autor projeta a interioridade do narrador ao observar, em uma hostil rua industrial, a moça debaixo da chuva. Com alma de poeta, este narrador busca-se a todo o momento na observação realizada: ―Ela me encarou, e seu jeito de me encarar era um pedido de socorro: seu vestido azul, marcas da chuva, grudara-se-lhe nas pernas, deixando de gesticular‖ (BRAFF, 1999, p. 76).

A imagem distorcida da moça remete a uma espécie de mancha ou borrão, possibilitando ao conto de Braff o retorno à tradição impressionista do século XIX.

Ao escritor impressionista interessa sobremaneira os estados de alma de seus personagens, privilegiando a análise psicológica em detrimento da narrativa centrada em peripécias exteriores. Neste sentido, além do caráter impressionista salientado, o conto de Braff também apresenta pontos de contato com as narrativas poéticas ou romances líricos.

As narrativas poéticas procuram dar um sentido à vida, instaurando forças que o texto põe em jogo, como a procura por uma identidade, a força expressiva do íntimo, possibilitando ao personagem, e consequentemente, ao leitor, a realização de uma trajetória pessoal através dos textos.

O narrador reconfigura o cenário nada atraente de uma rua industrial, mediante um processo de exaltação dos seus sentidos. O resultado é a construção de uma narrativa essencialmente subjetiva, lírica, beirando as raias da poesia.



Referências bibliográficas

ANDERSON, Janice. A arte dos impressionistas. Tradução Ruth Dutra. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

BRAFF, M. Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos. In: À Sombra do Cipreste: contos. Ribeirão Preto, São Paulo: Fábrica do Livro, 1999.

FREEDMAN, R. The lyrical novel: studies in Hermann Hesse, André Gide and Virginia Woolf. New Jersey: Princeton University Press, 1963.

HAUSER , A. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

PAZ, O. O arco e a lira. 2. ed. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

RAIMOND, M. La crise du roman. 5. ed. Paris: José Corti, 1966.

TADIÉ, J. Y. Le récit poétique. Paris: Presses Universitaires de France, 1978.

TODOROV, T. Um romance poético. In: ______.Os gêneros do discurso. Tradução Elisa Angotti Kossovitch. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p. 100-111. (Ensino Superior)

Enviado – 05/08/2011

Avaliado – 15/10/2011 Revista

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