PERSEGUIDO PELA CONSCIÊNCIA DE CULPA
Apartir deste ponto da narrativa, o narrador vai trabalhar com dois planos temporais: o primeiro, um passado remoto (infância), marcado pelos tipos em itálico, e o passado recente, aquele que explica o transtorno mental ocorrido, a perturbação da memória, ou amnésia parcial, em tipo redondo. Com o mesmo tipo, o narrador vai alternar as cenas do presente, o momento que a personagem está vivendo ao procurar sua casa.
Pág. 112 - "Dedos brancos sobre o teclado dum velho piano. 'Agora o meu filho vai ficar quietinho pra mãe tocar uma música bonita' (...) ... três tias solteironas, sempre vestidas de negro, vagueavam como sombras pelos cantos, mascando fumo e mágoas."
"Quando lhe lavavam a cabeça a água ensaboada ardia-lhe nos olhos, entrava-lhe pleas narinas, cortando-lhe a respiração e dando-lhe uma sensação de afogamento. as tias tratavam de consolá-lo com mimos."
"De quem é essa cabecinha de anjo?
Da titia.
E esse peitinho de rola?
Da titia.
E esses olhinhos de azeviche?
Da titia.
Aqueles modos desagradavam profundamente o pai do menino.
"Mais de uma vez ouviu o pai resmungar, olhando de soslaio para as três mulheres: 'Cria corvos e eles te arrancarão os olhos.' "
(...)
Pág. 113
"Agora muita coisa se explicava. Os olhos pisados da mãe, sua magreza pálida, aqueles choros escondidos, umas tristezas e uns silêncios à hora das refeições..."
"As três velhas, as três sombras, os três corvos."
"Ela era a própria Vergem Maria. Tinha nome de santa e era santa mesmo. E o marido a estava matando aos poucos...
Sozinho no silêncio do quarto, à luz da lamparina, ele fechava os olhos pensando nesse horror."
"Os passarinhos já não cantam nas árvores desta praça, mas nas laranjeiras do quintal de sua infância."
"O pai entrou no escritório e fechou a porta. Uma das velhas disse em voz baixa: 'Começou'."
O pai começava a beber.
"Os corvos sacudiram a cabeça. 'Pobre da Maria. Merecia outra sina'."
Pág. 114 - "Ele quer evitar essas lembranças dolorosas. Apressa o passo."
(...)
Atirou o balão para o ar e aparou-o com ambas as mãos. Agora, mais alto... Um... dois... três! Rodopiou sobre os calcanhares e arremessou o peso com toda a força, às cegas."
"Ele se pôs a tremer, o coração aos pulos. Uma das tias exclamou: 'Sete anos de azar!' (...) Aos pooucos, porém, se foi acalmando e por fim se distraiu imaginando que estava no fundo do mar...
"Para que pensar agora nessas coisas? Elas pertencem a um passado morto."
Pág. 115 - "Caminha cada vez mais depressa."
"Ao passar por um quiosque onde estão expostos os matutinos, sua atenção se concentra por um instante nas letras graúdas dum cabeçalho: MORTA A FACADAS PELO MARIDO."
(...)
"Tenta concentrar o pensamento na própria esposa. Estranho. Não se lembra com clareza das feições dela..."
"E por que será que agora lhe vem de inopino a doida ideia de que ele não é ele, de que seu passado é um sonho, de que não tem mulher nem casa nem nada?"
(...)
"Ontem minha mulher e eu íamos a um teatro. Eu tinha na carteira dois bilhetes. Se eles ainda estiverem lá, isso será um sinal de que tudo está bem e eu não estou sonhando nem louco."
Repare que a transição de primeira para terceira pessoa se dá sem marcação nenhuma. O pensamento da personagem integra o discurso do narrador: discurso indireto livre.
"Tira a carteira do bolso e abre-a. Lá estão as duas entradas."
" 'A situação é grave mas não irremediável. Jantaremos em silêncio e ela evitará o meu olhar. Depois iremos ao teatro, duranto o espetáculo lhe segurarei a mão, lhe direito ao ouvido palavras carinhosas, lhe pedirei perdão. Quando voltarmos para casa eu a tomarei nos braços e tudo terminará bem'."
Interessante observar que esse último parágrafo também é a expressão do pensamento do Desconhecido, com a diferença de que agora veio marcado por aspas. Trata-se portanto de discurso direto.
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