quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

NOITE (13)

O NANICO É SÁDICO
Visita ao Pronto Socorro

O mestre saiu ainda declamando versos do Cântico dos Cânticos, e com a cédula do Comendador no bolso. Tomaram um táxi e rumaram para o centro da cidade.


Pág. 75 - "O mestre empurrou-o mansamente para a porta.
- Desça."

Estavam na frente do "Hospital do Pronto Socorro.
-  Ideias do nanico - explicou o mestre, enquanto o corcunda despachava o táxi. - Rara é a noite em que ele não vem fazer sua visitinha ao P.S."
"Penetraram num vasto saguão circular, de paredes brancas e chão de mosaico verde."
"- Vamos ver quem está de chefe do plantão - disse o homenzinho embarafustando pelo corredor e entrando na primeira porta à direita."
(...)
"- Venham! É gente nossa. Veja, mestre, quem está comandando o hospital."
(...)
"- Os corujões da noite! - exclamou.
O mestre abraçou-o afetuosamente, dando-lhe palmadas nas costas. Depois mostrou o homem de gris:
- Um amigo."
(...)
"(...) De súbito uma sirena começou a soar... (...) Só então é que o corcunda falou:
- Isso é mesmo que música para os meus ouvidos - disse."
Pág. 77
"O nanico encolheu os ombros e o mestre desconversou:
- Como vai a noite? Morta?
- Qual! Uma das mais movimentadas. Há pouco entraram as vítimas dum desastre de automóvel. Duas morreram. Tenho aqui um rapaz com fratura na base do crânio, provavelmente um caso perdido. E dois sujeitos com ferimentos leves, mas em estado de choque."
(...)
"O corcunda coçava freneticamente a cabeça, parecia não achar sossego. Postou-se na frente do chefe do plantão:
- Posso ir dar uma olhada por aí? - perguntou."
(...)
"- O que uma noite encerra de mistério e miséria! - exclamou, olhando para o teto.
- Quer dizer a mim? - sorriu o homem do cravo.
- A história secreta da cidade devia ser escrita do ângulo do Pronto Socorro."
(...)
"O Desconhecido estava atento aos ruídos do hospital. Pareceu-lhe ouvir gemidos distantes, vozes lamuriantes, sonidos metálicos."
(...)
Pág. 79
"- (...) Nos dias abafados como o de hoje, quando a atmosfera está carregada de eletricidade, o que temos mais aqui são casos de insuficiência cardíaca, acidentes cerebrais, desastres de automóvel e principalmente gente atropelada nas ruas. "
"Mexeu nos papéis que estavam sobre a mesa, leu-os rapidamente e tornou a olhar para o mestre:
- Já atendemos hoje cinco casos de suicídio. Dois foram fatais. Três pacientes s3 salvaram e parece que não querem mais morrer. (...) - Um tomou cianureto e outro arsênico. Kaput! Uma mulher de sessenta anos meteu-se num banho quente e cortou as veias do pulso com uma navalha. É uma judia imigrada, uma neurótica com mania de perseguição, um caso triste. Vocês já imaginaram o espetáculo? (...) - Não estou quebrando o segredo profissional porque não revelo nomes..."
(...)
"- O outro caso foi o dum comerciante que deu um tiro na boca."
(...)
"- O caso mais horrível - prosseguiu o médico - foi o duma rapariga, uma criadinha, que despejou uma garrafa de querosene nas vestes e depois prendeu-lhe fogo. Está que é uma chaga viva, sofrendo horrores; mas temos esperança de salvá-la."
Pág. 80 - "Neste ponto seus olhos se fixaram de novo no Desconhecido.
- Engraçado. Sou capaz de jurar que já o encontrei antes.
- Não creio - sorriu o homem da flor.
- O senhor não frequenta o Country Club?
O desconhecido sacudiu a cabeça negativamente.
(...)
"- Ah! - fez o mestre como quem se lembra de repente. - Por falar nisso, que me diz do crime do anoitecer?
- Qual deles? Houve mais de um.
- O da mulher encontrada morta na cama com ferimentos de faca... Não ouviu falar?
- Claro. Um dos meus rapazes atendeu esse caso.
- Conte lá!
- Não há muito a contar. Não foi possível fazer nada. A criatura estava morta."
(...)
Pág. 81 - "- Foi um crime bárbaro - continuou o doutor."
(...)
"- Prenderam o criminoso?
- Creio que ainda não. A polícia está certa de que foi o marido, que desapareceu de casa.
- Mas não sabem quem é o homem? Não têm retrato dele?
O médico encolheu os ombros.
- A polícia deve ter."
(...)
"O mestre esmagou a ponta do cigarro no cinzeiro.
- Diga-me uma coisa, doutor. É possível um homem cometer um crime e em seguida perder a memória a ponto de não se lembrar mais do que ficou para trás, não saber quem é, onde mora, etc....etc....?
- Claro que é. Conheço muitos casos. O choque os projeta no quem em psiquiatria chamamos de estado segundo.
- Interessante. Interessantíssimo!"
Pág. 82 - "Naquele instante o corcunda voltou à sala.
- Então? - perguntou o médico.
O homúnculo estava sério.
- Muito instrutivo - disse. - Uma noite edificante."
(...)
"- uma e finte e cinco. Muita coisa ainda pode acontecer antes de raiar o dia.
O mestre ergueu-se e pegou a deixa.
- É nessa esperança que nos retiramos, doutor.
- Mas é tão cedo...
- Temos de dar ainda umas voltas."
(...)
- Muito obrigado pela sua hospitalidade e pela esplêndida lição.
- Ora!"
(...)
"- Não tenho a menor dúvida. Eu já vi o senhor em alguma parte. Aposto como foi mesmo no Country Club. No bar... Não esteve lá sábado passado, na festa hípica?
O mestre soltou uma risada.
- Meu caro doutor, já lhe disse que esse cavalheiro chegou ontem da Capital Federal e nunca botou os pés no nosso Country Club."
(...)
Pág. 83 - " O corcunda parou no vão da porta.
- Quer que eu lhe diga o ano, o dia e a hora exata em que você vai morrer?
O médico sorriu amarelo.
- Não. Muito obrigado. Mesmo que você soubesse, eu não gostaria de saber.
Do corredor o Desconhecido contemplava-os taciturno."

Uma das coisas a se observar nesta novela, e que fez parte de um estilo de época, é a proporção de diálogos no texto literário. A ação tem ainda um peso grande na narrativa literária, mas sobretudo a forma dramática do texto. A exclusão de trechos do discurso do narrador foi proposital, para chamar a atenção sobre esta característica, mas os fragmentos omitidos nem foram tantos assim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças