Contadores de histórias
O
escritor Menalton Braff descobriu que lia aos cinco anos. O contato com as
palavras era grande e o “beabá” fluiu naturalmente no dia em que seu pai ensinava
a sua irmã mais velha a ler e ela não conseguia.
Orgulhoso da descoberta, tratou de ler “O Guarani”, de José de Alencar. De tão envolvido com a história, sonhava com Peri e Ceci. Sua paixão pela literatura já havia sido cativada anos antes quando depois do jantar, sua mãe retirava a mesa e seu pai contava histórias. Não saciados, ao deitarem, Menalton e seu irmão brincavam ainda de inventar histórias e contavam um para o outro.
Começou a escrever poesia aos sete anos, mas o despertar do escritor de prosa aconteceu enquanto cursava o Clássico – hoje Ensino Médio – e descobriu a Geração de 30. Apaixonou-se pela linguagem contemporânea de Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Raquel de Queiroz e pelos personagens de Érico Veríssimo, por terem grande similaridade a uns primos seus. “…cheguei a uma conclusão: se o Érico Veríssimo pode falar dos meus parentes, eu posso muito melhor, porque eu conheço muito melhor meus parentes do que ele. Foi então que eu tomei a decisão, vou ser escritor!”.
Iniciou o estudo de técnicas de escrita e logo encheu três cadernos a mão. Em busca de aprimorar a escrita e conhecer as teorias da literatura e da narração, ingressou na faculdade de Letras. Foi lá que começou a ter envolvimento político participando do Diretório Acadêmico. E chegou a organizar uma panfletagem de oposição à Ditadura.
Nesse tempo havia lido “Olhai os lírios do campo”, de Érico Veríssimo e as questões de fidelidade e honradez tinham ocupado seus pensamentos. “Os valores vão se criando e se solidificando com a literatura. Então, tenho certeza de que essa minha idéia de que é preferível morrer a me submeter, eu aprendi com as histórias da literatura”. Na época pensava: “Eu vou fugir do pau, eu vou deixar o Brasil como está ou eu vou lutar pela democracia?”. Optou pela segunda escolha que lhe rendeu um julgamento por subversão e uma sentença de oito anos de reclusão.
Saiu de sua terra natal, Porto Alegre, e foi foragido para São Paulo, Capital. Até a anistia, passou dez anos lendo 20 horas ao dia. Lançou então seus dois primeiros livros assinados com o pseudônimo Salvador Passos – que era um antepassado seu apaixonado por poesia, pois na época ainda receava ser pego.
Menalton terminou sua faculdade e começou a lecionar. Mas a jornada intensa fez com que viesse morar no interior. Em 2000, ganhou o Prêmio Jabuti com seu livro de contos “A sombra do Cipreste”, que em 2011 chegou à sua 2ª edição. Tem 19 livros publicados e mantém a prática de lançar um ao ano. Mas conta que escreve mais que isso.
Da indignação da situação profissional do jornalista e da realidade brasileira, especificamente nos anos do governo Collor, nasceu o personagem Capuleto, também “operário da notícia”, como declamou um dos personagens do livro, quando seu protagonista foi convocado fora do expediente para cobrir uma greve.
No decorrer da trama, Michelazzo critica a prática jornalística da atualidade que vive do sensacionalismo e da repercussão: “jornalismo que qualquer macaco treinado também faz”. No livro, o personagem Capuleto defende a idéia de que o profissional da imprensa está em extinção, assim como a reportagem. Sem contar a cumplicidade com os detentores do poder político ou econômico: “eles têm tanta certeza que fazemos o jogo deles … que nem se são ao trabalho de saber ao certo com quem falam”, explica o personagem a Maria Luiza, sua namorada e companheira de profissão enquanto faz entrevistas por telefone com nomes falsos para comprovar sua tese.
Não é a toa que Michelazzo chamou os repórteres de matilha, o mesmo que “coletivo de lobos”. Em seu livro, ele retrata o ambiente hostil das redações, plantões que inviabilizam a vida particular e convivência com a família, a pressão ideológica sobre o texto e a ditadura do tempo sempre imposta pelos inúmeros chefes que coexistem em uma redação.
Mesmo em meio a tantas dificuldades, Michelazzo sempre ganhou a vida escrevendo. Suas palavras chegaram a milhares de leitores. E assim as histórias ganham vida, sendo contadas. Jeziel Paiva, o contador de causos, acha isso engraçado: “ Se não externar, parece que o negócio não existe. Não ocupa lugar no mundo. Pra entrar aqui dentro [da cabeça], tem que sair. Tem que dar forma para histórias, e o jeito é contar. Se você fala ela taí, se só pensa ela não está”.

Orgulhoso da descoberta, tratou de ler “O Guarani”, de José de Alencar. De tão envolvido com a história, sonhava com Peri e Ceci. Sua paixão pela literatura já havia sido cativada anos antes quando depois do jantar, sua mãe retirava a mesa e seu pai contava histórias. Não saciados, ao deitarem, Menalton e seu irmão brincavam ainda de inventar histórias e contavam um para o outro.
Começou a escrever poesia aos sete anos, mas o despertar do escritor de prosa aconteceu enquanto cursava o Clássico – hoje Ensino Médio – e descobriu a Geração de 30. Apaixonou-se pela linguagem contemporânea de Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Raquel de Queiroz e pelos personagens de Érico Veríssimo, por terem grande similaridade a uns primos seus. “…cheguei a uma conclusão: se o Érico Veríssimo pode falar dos meus parentes, eu posso muito melhor, porque eu conheço muito melhor meus parentes do que ele. Foi então que eu tomei a decisão, vou ser escritor!”.
Iniciou o estudo de técnicas de escrita e logo encheu três cadernos a mão. Em busca de aprimorar a escrita e conhecer as teorias da literatura e da narração, ingressou na faculdade de Letras. Foi lá que começou a ter envolvimento político participando do Diretório Acadêmico. E chegou a organizar uma panfletagem de oposição à Ditadura.
Nesse tempo havia lido “Olhai os lírios do campo”, de Érico Veríssimo e as questões de fidelidade e honradez tinham ocupado seus pensamentos. “Os valores vão se criando e se solidificando com a literatura. Então, tenho certeza de que essa minha idéia de que é preferível morrer a me submeter, eu aprendi com as histórias da literatura”. Na época pensava: “Eu vou fugir do pau, eu vou deixar o Brasil como está ou eu vou lutar pela democracia?”. Optou pela segunda escolha que lhe rendeu um julgamento por subversão e uma sentença de oito anos de reclusão.
Saiu de sua terra natal, Porto Alegre, e foi foragido para São Paulo, Capital. Até a anistia, passou dez anos lendo 20 horas ao dia. Lançou então seus dois primeiros livros assinados com o pseudônimo Salvador Passos – que era um antepassado seu apaixonado por poesia, pois na época ainda receava ser pego.
Menalton terminou sua faculdade e começou a lecionar. Mas a jornada intensa fez com que viesse morar no interior. Em 2000, ganhou o Prêmio Jabuti com seu livro de contos “A sombra do Cipreste”, que em 2011 chegou à sua 2ª edição. Tem 19 livros publicados e mantém a prática de lançar um ao ano. Mas conta que escreve mais que isso.
Já
escreveu literatura juvenil e também infantil. Em seu livro Mirinda conta a
história de uma formiga curiosa, sempre em busca de explicações. “Mirinda,
olhando de perto podia-se notar, tinha algo de especial. Era o brilho de seus
olhos”. As palavras são de Menalton, mas quem deu forma e cor a essa personagem
foi a ilustradora Semíramis Paterno.
É
assim que ela se comunica com as crianças. Seu traço delicado, as cores vivas,
o uso da aquarela, do lápis de cor, da chita. Semí, como é conhecida, começou a
se interessar pelo desenho em contato com a coleção de livros de Monteiro
Lobato. Em especial “Alice no país da Gramática”, em uma edição ilustrada de
1952.
“Eu
ficava encantada com os desenhos, mais que com o texto. Ficava olhando as
ilustrações e imaginando como seria, eu não imaginava que era uma pessoa que
tivesse feito. Eu pensava: “quem será que fez? É um carimbo? Sai da fábrica?”
Eu viajava nelas, ficava sonhando”.
Na
escola desenhava para as amigas, fazia broches de papel machê e vendia-os. Seu
pai a matriculou em um curso de desenho acadêmico aos 12 anos, e aos 15 começou
a trabalhar em uma agência de publicidade como estagiária. Queria ser independente
e poder comprar suas tintas e materiais.
Cursou
arquitetura por orientação de uma professora do ensino médio, mas nunca
exerceu. Esteve sempre voltada para a arte de desenhar. Seu trabalho de
conclusão de curso falava da importância da charge e da ilustração como
registro histórico da vida nas cidades.
Nesse
período trabalhou como assistente do ilustrador Zélio Alves Pinto e também do
irmão dele, Ziraldo – criador do “Menino Maluquinho”. Passou por diversas
agências, lecionou, mas hoje se dedica à criação de livros, na sua casa em
Ribeirão Preto. Seu escritório e ateliê ficam no andar superior. Todo de
madeira, cheio de livros e quadrinhos com recortes de frases de diversos
autores. Ao lado de sua mesa há uma grande janela que ilumina todo o ambiente.
De lá vê o jardim, ouve o cantar dos pássaros e também a música instrumental ao
fundo. A casa cheira a flores.
Atrás
de Semí há uma tela retratando uma avó, figura recorrente em sua obra. “Em Dona
Tricotina Tapeceira”, por exemplo, a personagem chega à Terra e não encontra
nada. Então começa a tricotar um grande manto verde, que vai cobrindo a
superfície do planeta até que surja a vida.
Em
“Dona Pina e Zé da Esquina”, durante a reforma da casa, uma família resolve
jogar fora tudo o que há de velho. E a avó é expulsa com seu cesto de linhas e
sua poltrona. Ali na rua conhece o Zé da Esquina. Ele senta em seu colo e ela
começa e ler para o menino.
Essas
e outras histórias foram contadas usando como único recurso a imagem. E
realmente, palavras seriam desnecessárias. O texto não-verbal é muito claro. Em
seu último livro “O menino que enxergava com o coração”, Semí lança mão das
letras e conta como o personagem Jonas, um menino que tinha “olhos de
imaginação”, conhece o mundo através do olfato, do tato, da audição e da
amizade.
Multifacetada,
ela também conta histórias através da fala. Há mais de seis anos, faz parte de
um grupo do Centro de Voluntariado de Ribeirão Preto que lê livros para
crianças e adolescentes internados. Todo o trabalho é coordenado por um senhora
chamada Gilda Pereira, que seleciona todo o conteúdo literário a ser
trabalhado. Além do incentivo à leitura, sua grande preocupação é aliviar o
stress das crianças enfermas.
Pensamento
compartilhado com os outros voluntários, inclusive dona Marilza que, vestindo
um jaleco branco cheio de pelúcias penduradas passa parte de seus sábados
contando histórias. A carioca de 63 anos carrega seu material de trabalho em
uma bolsa estampada com os dizeres “Gentileza gera gentileza”, palavras de seu
conterrâneo, José Datrino, conhecido como “Profeta Gentileza”.
Assim
como ele, dona Marilza leva mensagens e alegria por onde passa, mas seu caminho
são os corredores do Hospital das Clínicas. Enquanto percorre a enfermaria,
olhinhos curiosos a acompanham ansiosos pela visita. Em cada quarto que entra
pergunta aos pequenos se querem ouvir uma história. Com a permissão, vai contando
e cantando curiosidades sobre a natureza e ensinamentos sobre a vida. Quando
termina as crianças sempre querem mais.
Marilza
visita apenas a Enfermaria e admira as contadoras que se espalham pelas outras
alas hospitalares de crianças com ferimentos e doenças mais graves. “Meu
coração ainda não pediu”, explica porque ela ainda não se sente preparada para
ver a realidade da tragédia humana, coisa que o jornalista Luiz Augusto
Michelazzo teve que lidar durante toda a sua trajetória profissional.
Não
só a tragédia alheia que tinha que noticiar, mas a dura realidade que vivia
durante essa empreitada. Em seus anos de profissão, Michelazzo passou por
redações de grandes jornais como Diário Popular, o Globo e Agência Estado, além
de escrever para revistas de empresas multinacionais e livros-reportagens.
Nessa profissão contou muitas histórias, boa parte trágicas.
Tem
quatro livros publicados e sua estréia na ficção aconteceu com o último
“Notícias da Matilha”, lançado em 2011. Apesar de ser um romance, a história é
fruto da experiência vivida por ele nos anos de jornalismo. Michelazzo conta
que seguiu uma recomendação de Ernest Hemingway dado a um jovem escritor:
“Escreva sobre aquilo que você realmente conhece”.Da indignação da situação profissional do jornalista e da realidade brasileira, especificamente nos anos do governo Collor, nasceu o personagem Capuleto, também “operário da notícia”, como declamou um dos personagens do livro, quando seu protagonista foi convocado fora do expediente para cobrir uma greve.
No decorrer da trama, Michelazzo critica a prática jornalística da atualidade que vive do sensacionalismo e da repercussão: “jornalismo que qualquer macaco treinado também faz”. No livro, o personagem Capuleto defende a idéia de que o profissional da imprensa está em extinção, assim como a reportagem. Sem contar a cumplicidade com os detentores do poder político ou econômico: “eles têm tanta certeza que fazemos o jogo deles … que nem se são ao trabalho de saber ao certo com quem falam”, explica o personagem a Maria Luiza, sua namorada e companheira de profissão enquanto faz entrevistas por telefone com nomes falsos para comprovar sua tese.
Não é a toa que Michelazzo chamou os repórteres de matilha, o mesmo que “coletivo de lobos”. Em seu livro, ele retrata o ambiente hostil das redações, plantões que inviabilizam a vida particular e convivência com a família, a pressão ideológica sobre o texto e a ditadura do tempo sempre imposta pelos inúmeros chefes que coexistem em uma redação.
Mesmo em meio a tantas dificuldades, Michelazzo sempre ganhou a vida escrevendo. Suas palavras chegaram a milhares de leitores. E assim as histórias ganham vida, sendo contadas. Jeziel Paiva, o contador de causos, acha isso engraçado: “ Se não externar, parece que o negócio não existe. Não ocupa lugar no mundo. Pra entrar aqui dentro [da cabeça], tem que sair. Tem que dar forma para histórias, e o jeito é contar. Se você fala ela taí, se só pensa ela não está”.
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