segunda-feira, 2 de abril de 2012

A INVENÇÃO DE MOREL (21)

MOREL NÃO CRIA A VIDA

Pág. 81 - "Até aqui, um discurso repugnante e desordenado. Morel, mundano homem de ciência, quando deixa de lado os sentimentos e começa a falar em termos científicos, consegue maior precisão; sua literatura continua desagradável, rica em palavras e expressões técnicas, procurando em vão certo impulso oratório, mas é mais clara. Julgue o leitor por si mesmo:
'Qual é a função da radiotelefonia? Suprimir, no que diz respeito ao ouvido, uma ausência especial: por meio de transmissores e receptores, podemos nos reunir em conversa com Madeleine nesta mesma sala, embora ela esteja a mais de vinte mil quilômetros, nos arredores de Quebec. A televisão consegue o mesmo, no tocante à visão.' "

Pág. 82 - "'O quadro científico dos meios de suprimir ausências era, até há pouco, mais ou menos o seguinte:
'Quanto à visão: a televisão, o cinema, a fotografia;
Quanto à audição: a radiotelefonia, o fonógrafo, o telefone.'"
(...)
"' A ciência, até há pouco, tinha-se limitado a fazer frente a ausências espaciais e temporais, com relação ao ouvido e à visão.'"
(...)
Pág. 83 - "'Pus-me a procurar ondas e vibrações nunca alcançadas.'"
(...)
"'Uma pessoa, um animal ou uma coisa é, diante dos meus aparelhos, como a estação que emite o concerto que vocês escutem pelo rádio. Se ligarem o receptor de ondas olfativas, sentirão o perfume dos jasmins que há no peito de Madeleine, mesmo sem vê-la. Ligando o setor de ondas tácteis, poder~´ao acariciar seus cabelos... (...) Mas se ligarem todo o jogo de receptores, Madeleine aparecerá, completa, reproduzida, idêntica;...'"
(...)
Pág. 84 - "'Esta é a primeira parte da máquina; a segunda grava; a terceira projeta. (...)... suas projeções são bem recebidas por todo o espaço, de dia ou de noite.'"
"'Pensava coordenar as recepções dos meus aparelhos e tomar cenas da nossa vida: uma tarde com Faustine, pedaços de conversas com vocês;...'"
(...)
"'Tive uma surpresa: depois de muito trabalho, ao congregar harmonicamente esses dados, encontrei-me com pessoas reconstituídas, que desapareciam se eu desligava o aparelho projetor, só viviam os momentos passados quando da tomada de cena e, ao terminá-los, voltavam a repeti-los, como se fossem partes de um disco ou de um filme que, ao terminar, voltasse a começar, mas que não se podiam distinguir das pessoas vivas ...'"
Pág. 85 - "'Acaso lhes custa admitir um sistema de reprodução de vida tão mecânico e artificial?'"
"'Para fazer reproduções vivas, preciso de emissores vivos. Não crio vida.'"
Pág. 86 - "'A hipótese de que as imagens tenham alma parece confirmada pelos efeitos da minha máquina sobre as pessoas, os animais e os vegetais emissores.'"
"'Ainda havia falhas no receptor; não congregava os dados harmonicamente: em alguns, por exemplo, a imagem não coincidia com a resistência ao tato; às vezes, os erros são imperceptíveis para testemunhas pouco especializadas; outras vezes, o desvio é amplo.'"

Tensa, a plateia, como o leitor, ainda não sabe o que vem pela frente.

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