Todos vocês conhecem o conto “Uma vela para Dario”, de
Dalton Trevisan. Se não conhecem, está na hora de conhecer. Ainda mais agora
que o Dalton foi agraciado com o Prêmio Camões (leia mais clicando AQUI). É até uma questão de prestígio.
Há cerca de um ano, pouco mais ou menos, em uma oficina
literária, fizemos a análise desse conto. E aconteceu que, subjacente àquelas
figuras todas que povoam o conto, e entre outros temas, descobrimos, pesada
como um dia de mormaço, a indiferença humana.
As pessoas se aglomeraram,
espiaram, chegaram mais perto e especularam o que havia acontecido, depois se
reuniram em grupos pelos arredores, distribuíram-se pelos bares e foram cuidar
da vida e da cerveja, que a morte, a morte quase anônima de um Dario que
ninguém sabe de onde veio nem teve espaço na televisão, ah, meu irmão, para
esta morte falta tempo e envolvimento.
Claro que aproveitei o momento e fiz um discurso sobre a
solidariedade. Breve e denso, como convinha, pois nosso assunto principal era
literatura e não moral.
Saí da oficina com os bolsos cheios daquela doce sensação de
haver feito o que devia. A minha parte, a parte de um cidadão. Há ações que nos
deixam de alma latejante, com aquela sensação de que o mundo não está
inteiramente perdido. Voltei pra casa trauteando, podem crer, a melodia do
coral da Nona do Beethoven. Tudo a ver.
Menos de uma semana depois fui fazer minha caminhada diária.
Acho que já falei sobre essas caminhadas feitas muito a contragosto, mas a que
me obriga um médico amante de atividades físicas. A sombra das sibipirunas me
leva sempre à mesma avenida, onde procuro manter os músculos nem tão lassos
assim e a circulação pelo menos perto do desejável. Saí um pouco atrasado, por
causa de compromissos inesperados. E havia um relógio à minha espera para os
compromissos da noite. Não reclamo, porque o tédio mata mais do que o trabalho.
E detesto a impontualidade.
Depois de percorrer cerca de três quartos de meu trajeto
usual, vejo uma pequena aglomeração de pessoas do outro lado da avenida.
Acidente? Não, nenhum indício. Não era. Briga? Também não. As pessoas passavam,
paravam alguns segundos, olhavam para a calçada, trocavam alguns comentários e
seguiam seu caminho.
Só quando me aproximei, descobri que havia um homem
estendido no passeio. Pareceu-me um homem de seus cinquenta anos. Ninguém fazia
nada por ele. Cheguei a pensar em atravessar a avenida para repetir meu
discurso de outro dia. Mas havia um relógio me esperando para compromissos, que
são sempre inadiáveis. Segui em frente, os músculos ativos e o coração
bombeando como é de seu ofício. Era um homem caído. Não sei por que estava lá
estendido na calçada, pois não atravessei a avenida.
A cena me perseguiu durante a noite. Toda vez que acordava
(e acordei diversas vezes), via um homem de camisa e cabelos brancos estendido
na calçada e as pessoas olhando curiosas, mas sem tempo para lhe prestar
socorro. Ninguém mais se preocupa com seu semelhante, foi minha severa
conclusão.
No mesmo dia, coisa de meia-hora depois, fugi da frente do
espelho. Não suportei me encarar. Sei que “nem tudo está perdido” é um chavão,
e dos mais banais. Mas quanto desejei poder usá-lo! Despudoradamente e
esperançoso. Não consegui.

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