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Segundo as estatísticas de dez anos atrás, que releio por
desfastio, e por serem da minha área, pertenço a pequeno grupo de pessoas, um
grupo formado por 1% dos brasileiros possuidores de biblioteca de mais de 500
volumes. Deveria estar soltando foguetes ao me descobrir incrustado nesta nata,
mas não estou. Levando em conta meu espírito público, talvez devesse então
estar acabrunhado ao descobrir que se lê tão pouco no Brasil, mas também não
estou. Um amigo meu, que já não está neste ou em qualquer outro mundo, para
formar-se economista teve de estudar muitas ciências, entre as quais a ciência
estatística. Enquadrou populações, quadriculou produtos, transformou isso tudo
em mercado e pôs-se a campo com a intenção de salvar o Brasil. E vocês sabem o
que aconteceu? Nem ele salvou o Brasil nem por ele foi salvo. Continuamos todos
a navegar em mar bravio enquanto ele abandonou o barco heroicamente. Mas antes
de se despedir, meu amigo, que era teimoso, mas bronco não, deixou-me como
herança uma verdade elementar: A estatística serve para provar que, se eu puser
a cabeça dentro de um forno a cem graus centígrados e os pés dentro de um
frízer a zero grau, minha temperatura média será de cinquenta graus.

Um vizinho aqui ao
lado me diz que a verdade não é elementar, mas estúpida. Este meu vizinho não
tem mesmo senso de humor. Claro que não estou questionando a sério se a
estatística é ou não uma ciência útil. O que se deve entender, entretanto, é
que não há razão para que se meçam os cinquenta graus de minha temperatura
média uma vez que terei morrido. Os dados, por si sós, pouca coisa revelam.
Então vamos fazer uma pequena incursão pelas conclusões da
pesquisa da qual saí ao lado de 1% dos brasileiros. Dizem os pesquisadores que
o brasileiro não sente prazer na leitura e arrolam quatro razões para que ele
não se dirija às prateleiras. Trinta e nove por cento dos entrevistados
disseram que não têm tempo para ler. E acredito. Se se puserem a ler, que tempo
terão para o chopinho, para o campeonato brasileiro, para o papo-furado na
esquina depois do serviço? Outros tantos por cento (não se especifica)
afirmaram que não têm o hábito. Me parece uma conclusão um tanto redundante, se
a pesquisa era sobre a leitura no Brasil. Há os que não se interessam (18%) ou
que não têm paciência mas sobra-lhes preguiça. Assim mesmo, confessadamente. E,
por fim, aqueles que preferem outro entretenimento (17%).
A questão que me
parece óbvia e que não invalida a pesquisa, é que sofremos de uma inércia
oficial ao mesmo tempo causa e consequência de um gravíssimo problema social.
De um país escravocrata até pouco mais de cem anos, e que
tratou como tratou dos antigos escravos, deixando-os ao Deus dará; de um país
em que o único prato de comida do dia não é assim tão garantido, de um país
como este o que mais se poderia esperar?
Espantam-se os técnicos pesquisadores com o fato de se ler
pouco? O interessante é que ninguém se espanta com o fato de se comer tão
pouco. Leitura e comida não entram lá com muito peso nas cogitações de nossas
autoridades.
Estamos em 69º lugar no IDH levantado pela ONU. Por que
então comparar o nível de leitura do brasileiro com o nível do europeu, por
exemplo? Mas se essa comparação é por natureza indevida (os parâmetros não
podem ser os mesmos), isso não significa que se deve sentar à beira da estrada
esperando que as coisas aconteçam. Alguma medidas no sentido de melhorar o
quadro atual têm sido tomadas, mas tímidas ainda, com pouco investimento. É
preciso mais e melhor.
CARTA ABERTA AO AMIGO ESCRITOR MENALTON BRAFF EM COMENTÁRIO A SUA CRÔNICA “A VOZ DAS ESTATÍSTICAS”
ResponderExcluirQue misterioso esse seu amigo que já não está neste ou em qualquer outro mundo! Foi a repressão, não? Mas esse seu amigo misterioso era também, com o perdão da palavra e sem intenção de ofender e sim praticar o bom humor, era meio mórbido. Essa tese que diz que a estatística serve para provar que, se um sujeito puser a cabeça dentro de um forno a cem graus centígrados e os pés dentro de um frízer a zero grau, sua temperatura média será de cinquenta graus é assustadora. Contudo os resultados serviriam aos sucessores estudiosos do assunto. Que horror!
Eu também tenho uma biblioteca razoável. Livros que me acompanham pela vida inteira. Vários são de coleções realizadas pelos jornais e editoras. Não sei quantos volumes já acumulo, mas creio estar próximo desses que encorpam este 1% estatístico ao qual o mestre pertence com muito brilhantismo.
É complicado. Se olharmos para a criança, veremos que ela precisa comer. Mas se olharmos com carinho, veremos que, após comer, ela precisa ler. Livro ainda é artigo de luxo aqui. E a educação não deve ser lançada ao lixão.
Abraço, mestre!