
Não que seja o que faço com mais frequência nem com o maior gosto, mas às vezes também vou a supermercados. Todos temos nossas cruzes. Algumas mais pesadas, outras mais leves, distribuídas segundo as forças de cada um, pois ninguém carrega peso acima de sua competência. Eu também carrego as minhas, que nem são tão pesadas assim. E uma delas é esta necessidade de visitar supermercados.
Ontem foi dia de
reabastecer a despensa, e lá me fui eu às compras com minha mulher. Acho que já
disse aqui que o bom regime alimentar se faz é na hora das compras. Se não
disse, fica dito. Mas devo ter dito, sim, porque penso nisso pelo menos uma vez
por mês, ou seja, quando sou convidado a ajudar no abastecimento do lar. Por
isso a linha imaginária de meus limites lá dentro daquele imenso salão é o
departamento de frutas, verduras e legumes. É um espaço apertado e o trabalho é
cansativo, mas compensador. E, com o tempo, já tenho alguma prática. A escolha
da fruta mais doce, da verdura mais fresca, é especialidade de que não me
orgulho tanto, mas que me tem sido muito útil.
Carrinho pesado de produtos
hortifrutigranjeiros, peguei lugar na fila da pesagem. Atrás de mim, com ar
cansado, uma senhora de seus quarenta anos, pendurado na mão direita um
saquinho plástico com cerca de meia dúzia de tomates. Bem vermelhos, bonitos, seus
tomates, mas com aquela mesma cara conformada de quem vai ter de esperar muito
tempo, a cara da mulher que seguia atrás de mim: meu carrinho transbordava.
Fiz um gesto à
senhora que me seguia com o saquinho de tomates. Ela me olhou aflita, sem
entender o significado de minha mão aberta em movimento semicircular, da
direita para a esquerda, indicando-lhe que avançasse. Repeti o gesto
acompanhado de uma expressão verbal simples, como “por favor”, e a senhora de
aflita passou a perplexa. Finalmente, para desobstruir logo a passagem,
disse-lhe com todas as letras: “A senhora pode passar”.
A mulher, cujo
vestido vermelho combinava com os tomates do saquinho e também com o rosto,
quando passou, olhou-me ainda algumas vezes antes de pesar os tomates e sumir,
repetindo seu agradecimento.
A gentileza anda fora de moda, comentei com
minha mulher logo que nos encontramos no corredor combinado. A gentileza
assusta as pessoas. Seguíamos a passo lento entre as montanhas de apelos para
que fiquemos sem dinheiro algum, quando cruzamos com a dita dos tomates
vermelhos. Ela me olhou perturbada e me jogou na cara um “muito obrigada” tão
sonoro que quem ficou vermelho, desta vez, fui eu.
Minha mulher
adivinhou quem fosse, mesmo assim perguntou: “É ela”? Sacudi a cabeça
concordando, um pouco decepcionado com os tempos que correm e os bons costumes
que ficaram. Já começava a arrepender-me do gesto, por considerá-lo exagerado,
démodé.
Cara de bicho em
jaula, entretanto, só fui sentir no caixa, quando nos encontramos pela terceira
vez. Aquela senhora olhou-nos sorrindo e repetiu mais duas vezes seu
agradecimento. Aquilo reboou pelo supermercado inteiro e não houve, lá dentro,
quem não ficasse olhando para mim, um homem de outros séculos.
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