quinta-feira, 1 de novembro de 2012
O Bolero de Ravel e as curvas da melancolia radical
Acabo de ler o "Bolero de ravel", romance do Menalton Braff. Durante toda a leitura da história, oscilei entre o ritmo emblemático do bolero e os raspões produzidos pelo confronto entre o luto e a melancolia, que permeiam a narrativa do início ao fim. Tudo isso temperado pela dinâmica de cortes, fluxos de consciência, balanços temporais e metáforas intercaladas que imprimem um ritmo próprio ao problema-chave da história: o narrador-protagonista, Adriano, às voltas com a experiência de mais uma perda, a dos pais, mortos num acidente.
Digo "mais uma perda" porque o personagem já carrega uma carga de perda que é anterior ao próprio romance. É como se pudéssemos visualizar a sua vida pregressa, na qual o cotidiano seria apenas uma espécie de nuvem, que só caminha quando da vontade de algum tipo de vento mais ousado.
O confronto de Adriano com a irmã, Laura, dá o tom do balanço da história. A moça, típica neurótica, escapa rápido da dor, através de um luto que se configura através de seu pragmatismo e de suas ligações com a lógica de resultados do mundo de velocidade cibernética em que vivemos. Não há tempo a perder para ela. E então, tal qual o bolero, que desce a ladeira dos ouvidos num constante espadachim entre a melodia e uma marcha quase militar, de tão insistente, os dois, a neurótica e o melancólico, duelam os seus valores. Um duelo que conhecemos através das inflexões de Adriano, que pula de nuvem em nuvem atrás da confirmação do seu desinteresse radical por tudo e por todos.
No trabalho que li esse ano do MD Magno, "Introdução à Transformática" (que é de 1998), ele aponta para duas formas de melancolia: uma nosológica, que seria aquela que, apesar de esbarrar nas verdades radicais da vida, resiste, ainda vinculada a tal ou qual nostalgia que só retroalimenta a tristeza, e outra, que Aristóteles chamou de "melancolia natural", e que representa uma aproximação com o não-Haver que é tão lúcida, que o permite embarcar de vez na experiência de "hiperdeterminação", ou seja, a suspensão e a suspeição constantes de tudo o que se coloque diante dele. Não para relativizar tudo, mas sim para manejar de uma forma não-fanática (e inteligente) os símbolos e as questões que lhe surjam pela vida afora.
Me parece que o personagem Adriano porta, em suas oscilações, os dois tipos de melancolia, em confronto. Um desinteresse muito explícito, que tem na figura da mãe, e da ideia que fazia da irmã (agora problematizada pela situação de perda radical), a sua principal ponte nostálgica, e, ao mesmo tempo, um questionamento constante acerca da validade da posição "adequada" dessa mesma irmã, que comparece o tempo todo na forma neurótica com a qual ela exercita o seu luto enfeitiçado e, por que não dizer, igualmente "desinteressado" (já que se limita exclusivamente ao que o cotidiano mais rasteiro lhe impõe como demanda de resultado).
E na esteira dessa luta intermitente, entre o marcial neurótico e a trágica melodia melancólica, que caminham pelas curvas do bolero e pelas páginas do romance, fica a questão: Não seria a adequação radical a verdadeira derrota? Leia o romance, porque além de muito gostoso de ler, pode te dar algumas boas pistas.
Acabo de ler o "Bolero de ravel", romance do Menalton Braff. Durante toda a leitura da história, oscilei entre o ritmo emblemático do bolero e os raspões produzidos pelo confronto entre o luto e a melancolia, que permeiam a narrativa do início ao fim. Tudo isso temperado pela dinâmica de cortes, fluxos de consciência, balanços temporais e metáforas intercaladas que imprimem um ritmo próprio ao problema-chave da história: o narrador-protagonista, Adriano, às voltas com a experiência de mais uma perda, a dos pais, mortos num acidente.
Digo "mais uma perda" porque o personagem já carrega uma carga de perda que é anterior ao próprio romance. É como se pudéssemos visualizar a sua vida pregressa, na qual o cotidiano seria apenas uma espécie de nuvem, que só caminha quando da vontade de algum tipo de vento mais ousado.
O confronto de Adriano com a irmã, Laura, dá o tom do balanço da história. A moça, típica neurótica, escapa rápido da dor, através de um luto que se configura através de seu pragmatismo e de suas ligações com a lógica de resultados do mundo de velocidade cibernética em que vivemos. Não há tempo a perder para ela. E então, tal qual o bolero, que desce a ladeira dos ouvidos num constante espadachim entre a melodia e uma marcha quase militar, de tão insistente, os dois, a neurótica e o melancólico, duelam os seus valores. Um duelo que conhecemos através das inflexões de Adriano, que pula de nuvem em nuvem atrás da confirmação do seu desinteresse radical por tudo e por todos.
No trabalho que li esse ano do MD Magno, "Introdução à Transformática" (que é de 1998), ele aponta para duas formas de melancolia: uma nosológica, que seria aquela que, apesar de esbarrar nas verdades radicais da vida, resiste, ainda vinculada a tal ou qual nostalgia que só retroalimenta a tristeza, e outra, que Aristóteles chamou de "melancolia natural", e que representa uma aproximação com o não-Haver que é tão lúcida, que o permite embarcar de vez na experiência de "hiperdeterminação", ou seja, a suspensão e a suspeição constantes de tudo o que se coloque diante dele. Não para relativizar tudo, mas sim para manejar de uma forma não-fanática (e inteligente) os símbolos e as questões que lhe surjam pela vida afora.
Me parece que o personagem Adriano porta, em suas oscilações, os dois tipos de melancolia, em confronto. Um desinteresse muito explícito, que tem na figura da mãe, e da ideia que fazia da irmã (agora problematizada pela situação de perda radical), a sua principal ponte nostálgica, e, ao mesmo tempo, um questionamento constante acerca da validade da posição "adequada" dessa mesma irmã, que comparece o tempo todo na forma neurótica com a qual ela exercita o seu luto enfeitiçado e, por que não dizer, igualmente "desinteressado" (já que se limita exclusivamente ao que o cotidiano mais rasteiro lhe impõe como demanda de resultado).
E na esteira dessa luta intermitente, entre o marcial neurótico e a trágica melodia melancólica, que caminham pelas curvas do bolero e pelas páginas do romance, fica a questão: Não seria a adequação radical a verdadeira derrota? Leia o romance, porque além de muito gostoso de ler, pode te dar algumas boas pistas.