domingo, 2 de dezembro de 2012

RASCUNHO PUBLICA RESENHA DO CASARÃO


Melancolia e amargura
Por Luiz Horácio*

O casarão da rua do Rosário oferece várias possibilidades de leitura, de interpretação, as elogiosas e as nem tanto. Mas já, de cara, um confronto? Sim, eu sei que você se fez tal pergunta, pacifista leitor. Foi apenas para adiantar uma das possibilidades de leitura, a simplória, a luta do bem contra o mal. O mal apresentado de forma caricata e o bem de maneira quase ingênua, quase imaculada. O autor, experiente, sem dúvida avaliou o risco, a vulnerabilidade que obriga o déjà vu desse diálogo ríspido, às vezes ingênuo de suas personagens. As do bem e as do mal se assemelham, com aquele universo social, aquele cenário dos anos de chumbo.

Felizmente O casarão da rua do Rosário não é só isso, embora seja tal aspecto o primeiro a se apresentar aos olhos do leitor. Qualquer leitor. Trata-se da opção mais cômoda para análise da obra. Evitarei tal armadilha. Vale lembrar que as armadilhas atraem desatentos.

Vamos ao enredo: universo familiar representando a sociedade, suas dicotomias, seus maniqueísmos, suas contradições. Talvez resida nesse aspecto a origem, a justificativa para as personagens se parecerem tanto — sobretudo na ingenuidade.

Os irmãos Romão e Isaura, o direito e o avesso, sem isso cadê o conflito? Nem mesmo Beckett foi capaz de abrir mão. Concorda, atento leitor?

Romão é conservador e transmitiu essa característica ao filho Rodolfo, enquanto Isaura casou com um militante de esquerda, desaparecido pelas mãos da ditadura. Este detalhe, ela se vê sem recursos, faz com que retorne ao casarão. Volta diferente, tem filhos. É acolhida e cobrada, aulas particulares garantem os ganhos que atividade dessa monta costuma garantir.

O casarão da rua do Rosário é um romance memorialista, repetitivo, onde Palmiro (filho de Isaura), após a morte da avó, Benvinda, narra uma história de melancolia e amargura.

Dividido em cinco partes, o narrador segue personagens diferentes em cada uma — não chega a contemplar toda a família. Palmiro aproveita a oportunidade para transformar a matéria das lembranças e experiências em material catártico, torna evidente sua preferência pela atmosfera da dor, do luto, das frustrações, o aroma que exala do casarão da rua do Rosário.

Cinco irmãs — Isaura e quatro solteironas — mais dois irmãos. Um mora em outra casa e o outro, deficiente mental, vive numa casinha nos fundos do terreno.
Não vou entrar no mérito das opções políticas das personagens porque prometi me deter em outro aspecto, no meu entender o mais relevante: o tempo.

O tempo que nutre amarguras é o mesmo tempo que semeia esperanças. Por se tratar de uma narrativa resultante das lembranças de Palmiro, é o tempo que manipula as marionetes.
O tempo que permite ao leitor um contato com a história do país, suas transformações e também com o comprometimento que o universo familiar tem com as repetições. Para o bem e para o mal.

A narrativa avança. O tempo acelera, o déjà vu justifica a condição humana, chega a vez de os primos renovarem os conflitos.
O tempo antes de o próprio sentir já alcançado, condicionado, distante… assim, tão perto, tocando o “existir”…

E o autor da epígrafe retorna:
“E eu guardei duas palavras: sonho e esperança. Quando essas duas palavras aparecem juntas é sinal de azar. Tudo se resume a uma coisa só: tempo. A dor grita na palavra t-e-m-p-o! O tempo não tem resposta pra nada, tempo é pura dúvida. O tempo passa… passa… não para nem em aniversário de morte. E voltar pra casa é acender a dor.”
Leia, curioso leitor, O casarão da rua do Rosário, e não se deixe levar pelo que parece mais evidente. Pode ser miragem. Mergulhe fundo, mas não esqueça: toda lembrança, mesmo ficcional, é farta em tristeza.

*É escritor. Autor de Pássaros grandes não cantam, entre outros. Vive em Porto Alegre (RS)

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