domingo, 17 de fevereiro de 2013

ANTES DA MEIA-NOITE

Fragmento do romance juvenil Antes da meia-noite, publicado pela Editora Ática em 2007.

(...)
Começo a entender a meiose e os cromossomos, mas me parece uma brutalidade sacrificar a mãe por duas filhas. Não vou comentar minha opinião com ninguém porque muitos daqui já olham torto para esta mania de reformar o mundo. Cito e logia, entenderam? E logia uma batida de leve à porta. Pequena cela que resultou em célula. As batidas agora são mais fortes e prolongadas, mesmo assim, dona Carla, empolgada, nada ouve.
Um dos meninos do gargarejo avisa:

– A porta, professora.

Dona Carla faz uma careta de desagrado pela interrupção, e muitos de nós rimos porque ela sabe essa coisa infantil de fazer caretas de desagrado, com o lábio inferior espichado, os olhos espremidos em suas órbitas e a cabeça sacudindo em movimentos rápidos. Só desmancha sua careta ao abrir a porta e deparar-se com uma inspetora de alunos. Não ouvimos o que as duas se dizem, mas ouço meu nome chamado pela professora.

– Dona Adélia está chamando você, informa dona Carla.

Só posso ficar vermelha, pois tudo que eu faça é debaixo dos holofotes da turma. Mas ainda olho para a Carol e cochicho:

– Reze por mim, que a Megera me chama.

Nossos passos apressados reboam nas paredes altas e nuas do corredor. Não resisto à curiosidade e ao medo e pergunto à inspetora se tem idéia do que aconteceu. Minha voz melosa, quase de choro, pode estar desafinada, mas acho que é sedutora. Trato a inspetora de senhora, tentando convertê-la a minha causa. Ela responde seca que não, que não sabe de nada. Ela deve saber, porque são elas que levam tudo até a Megera, mas se recusa a me dizer como vingança pelos maus tratos recebidos do alunado em geral.

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