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Eu sei, você sabe, todos nós sabemos que andar faz bem à saúde. Como de resto faz a maioria das atividades físicas. Precisei, contudo, de uma recomendação médica para começar a fazê-lo. Não todos os dias, como exige o facultativo encarregado de me manter razoavelmente saudável, mas sempre que o trabalho e o clima me permitem. E muito a contragosto o faço eu, que desde criança julgo um tanto aborrecidas as tais atividades físicas. Mesmo assim, mal o Sol se engarrancha nos fios de luz, entre rabiolas e papagaios, se não estiver chovendo, começo a me preparar.
Nunca poderia imaginar que essas caminhadas (corpo ereto, amplo movimento de braços, ritmo marcial contínuo) poderiam transformar-se em momentos de descobertas transcendentais. Pois é no que se transformaram.
Eu sei, você sabe, todos nós sabemos que andar faz bem à saúde. Como de resto faz a maioria das atividades físicas. Precisei, contudo, de uma recomendação médica para começar a fazê-lo. Não todos os dias, como exige o facultativo encarregado de me manter razoavelmente saudável, mas sempre que o trabalho e o clima me permitem. E muito a contragosto o faço eu, que desde criança julgo um tanto aborrecidas as tais atividades físicas. Mesmo assim, mal o Sol se engarrancha nos fios de luz, entre rabiolas e papagaios, se não estiver chovendo, começo a me preparar.
Nunca poderia imaginar que essas caminhadas (corpo ereto, amplo movimento de braços, ritmo marcial contínuo) poderiam transformar-se em momentos de descobertas transcendentais. Pois é no que se transformaram.
Descobri, há uns dois meses, que não sou muito dado a
amizades, principalmente se o amigo é o maior amigo do homem. Há um destes
seres a quem não informaram a mais conhecida característica de sua espécie e
ele me agride em altos brados por trás de um portão de ferro enferrujado toda
vez que passo pela calçada que fronteia seu território. E percebo, por sua
expressão, quanto de ódio pode acumular-se em um só corpo. Parece o cunhado de
um amigo meu.
Não pensem, contudo, que as descobertas venham
invariavelmente com esse teor desagradável. Coisa de duas, três semanas atrás,
descobri, quase rindo de tão contente, a esperteza de certos prefeitos. Mandam
plantar sibipirunas de pouco mais de dois metros em canteiros centrais nas avenidas
com o único propósito de criarem mais empregos para seus concidadãos. Lembro-me
de quando as sibipirunas foram plantadas na avenida que elegi como pista para
minhas necessidades físicas. Eram umas arvorezinhas sem graça, nos primeiros
dias. Seu verde escuro e brilhante chegou a andar fosco por alguns tempos.
Então vieram as chuvas, o sol recolheu-se um pouco e as sibipirunas
desembestaram a crescer. Hoje elas já nos brindam com sombra fresca e flores
amarelas. Ah, sim, e periodicamente exigem um batalhão de homens armados de
escadas e serrotes para desbastarem suas copas que ameaçam romper os fios de
telefone e de luz que passam por cima dos canteiros.
A descoberta que mais me encantou aconteceu ontem. Encoberto
pelas copas das sibipirunas, eu vinha descendo a avenida em passo acelerado.
Sobre a cidade, uns restos de luz que escorriam de umas nuvens cor de fogo,
umas aragens finalmente frescas. Quase tropecei, tanta era a pressa, em duas
meninas, duas adolescentes de uns treze anos. Por causa das sombras, não
cheguei a ver direito suas expressões, mas, tão pardais elas vinham, chilreando
descuidosas, tão barulhentas, que as imagino de rosto afogueado, faceiras,
lábios e olhos rasgados em sorrisos. Tenho certeza de que andavam como andavam
sem precisarem de recomendação médica. Andavam e eram felizes. Ou eram felizes,
por isso andavam. Não importa. A vida sem passado ou futuro. A vida como aquela
aragem fresca, que elas sorviam sem ao menos perceber. Parei para as ver
passar. E eu vi o que há muito não via, nem pensava que ainda houvesse.
Tagarelas, sorridentes, as duas iam de mãos dadas.
Voltei pra casa mais leve, mais bem disposto, prometendo a
mim mesmo nunca mais esperar recomendação do médico para botar o corpo a
trabalhar.
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