As pessoas se proíbem de sorrir quando sozinhas. As pessoas gostam muito de proibições
por Menalton Braff
— publicado 27/05/2013 15:48
Hoje meu sono promete ser muito bom. Leve, não porque esteja muito próximo da vigília, mas porque devo sonhar com aquela brisa azul que me lambe a face, faceira, e foge nas alegres cores de seu par de asas quase transparentes.
Continuo fazendo heroicamente minha caminhada diária sempre
que posso e sei que posso menos do que seria necessário. Uma hora batidinha no
relógio. O homem já foi à Lua e até hoje não inventou uma pílula que substitua
essas caminhadas! Espero que o Dr. Laércio Andrade, meu amigo e algoz, pois foi
ele quem me prescreveu esta tortura, não seja muito afeiçoado a crônicas. Ele
não me imagina um rebelde. Hoje eu podia e fui caminhar. À sombra das
sibipirunas, como já avisei lá no alto. E as sibipirunas me protegiam do
restinho de sol existente.
Tinha percorrido pouco mais da metade de meu trajeto quando vi. Lá estava o menino de shortinho e sem camisa, com a franja espessa a esconder-lhe os olhos. Ele tinha o braço direito um pouco levantado, e na mão, no polegar de sua mão, uma cigarra, que ele mostrava com orgulho a dois amigos. Uma cigarra dessas grandes, maior do que a mão dele. Então ele alçou a mão direita como se estivesse dando um impulso, e a cigarra abriu suas asas imensas e sumiu na copa de uma árvore. Uma sibipiruna com uns restos de flores amarelas. Os três meninos pularam de alegria, gritando e batendo palmas.
Tinha percorrido pouco mais da metade de meu trajeto quando vi. Lá estava o menino de shortinho e sem camisa, com a franja espessa a esconder-lhe os olhos. Ele tinha o braço direito um pouco levantado, e na mão, no polegar de sua mão, uma cigarra, que ele mostrava com orgulho a dois amigos. Uma cigarra dessas grandes, maior do que a mão dele. Então ele alçou a mão direita como se estivesse dando um impulso, e a cigarra abriu suas asas imensas e sumiu na copa de uma árvore. Uma sibipiruna com uns restos de flores amarelas. Os três meninos pularam de alegria, gritando e batendo palmas.
Se a cigarra voltou para o polegar do menino, se não voltou,
não sei. Nem importa saber. Porque quando não se sabe, se tem o direito de
imaginar. E o que sei é que houve um momento em que uma cigarra e um menino se
encontraram num canteiro de avenida. Para a cigarra, o menino pode ter
representado um gigante benfazejo com um dedo polegar muito apropriado a alguns
instantes de repouso. Aquela cigarra, para o menino, não pode ter sido senão um
fantasma diáfano e cheio de liberdade ou um espírito sutil capaz de o levar a
mundos muito distantes.
Você, caro leitor, tem todo o direito de discordar, de supor
que nem ele era um gigante nem ela um espírito. Seja lá qual for sua suposição,
todavia, você há de concordar comigo que houve um instante em que entre os dois
se estabeleceu algum tipo de relação. Qual? Também não sei, mas me parece que
um precisou do outro, e os dois se fizeram poesia.
Depois de assistir a esta cena, continuei minha caminhada,
como sempre, mas sorrindo, com uma cara que alguns podem ter pensado que era de
bobo. As pessoas se proíbem de sorrir quando sozinhas. As pessoas gostam muito
de proibições. E dormem com sono leve entre sonhos pesados.
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