domingo, 5 de maio de 2013

FRAGMENTO DE UM ROMANCE JUVENIL

O fragmento seguinte foi extraído do romance juvenil Antes da meia-noite, publicado pela Editora Ática em 2007.

Quando chegamos abraçadas a nossos sacos de pipoca, o cinema estava quase deserto, com aquelas poltronas todas se oferecendo. Ainda era muito cedo. Mesmo assim entramos falando baixinho com receio de acordar algum mago gigante. Na sala de projeção, a maioria das pessoas se contaminam daquela atmosfera inefável e de sonho, quase sagrada, e agem como se estivessem no interior de um templo.

Tocava uma música sossegada que não atrapalhava os cochichos de quem cochichava nem o sono de quem esperava o filme dormindo. Minha mãe e eu comíamos pipoca conversando de boca cheia e dando risada porque era muito divertido cometer má criação sem ninguém para repreender. Eu disse que estava com um pouquinho de frio e minha mãe tirou a blusa e a jogou por cima de meus ombros. Me grudei muito a seu braço tentando roubar algum calor dela, que tinha sempre de sobra.

Sem mais nem menos ela perguntou se meu pai tinha telefonado ultimamente.

– Seu pai tem telefonado ultimamente?

Respondi que já fazia quase um mês que ele tinha feito a última ligação.

– Pra me dar os parabéns pela formatura e dizer que seria impossível dançar comigo a minha valsa.

– Melhor assim – ela suspirou, enquanto esfregava a mão em meu braço gelado.

– Por que melhor assim, mãe?

Ela desconversou.

– Ninguém, filhinha, par nenhum fez o sucesso que você e o doutor Lucas fizeram. Os meninos de hoje não têm mais noção do que seja uma valsa. Vocês dois rodaram pelo salão todo, mas com tanta graça que os outros pares abriam caminho para vocês.

Eu sorri e me mantive quieta, meio encolhida, sentindo que o frio já estava passando.

– Mas me diga uma coisa: você e o Gabriel estão namorando?

Descobri malícia e alegria no rosto da minha mãe: a boca meio  aberta, amolecida por pensamentos, os olhos espremidos, cheios de esperteza.

– Mãezinha, pelo amor de Deus, que papo mais careta! A gente só ficou naquela noite, mais nada. 

– Pensa que não vi vocês dois no maior dos amassos?

Poucas coisas da minha mãe me irritam e uma delas é o modo como não entende nada do que acontece no mundo. Ela sabe tudo de taxas, de câmbio, de produção, dessas coisas. E só.

Depois de um tempo ela continuou:

– O Gabriel é um garoto bem bonito. E muito educado. Gosto muito dele.

– Educado até demais. Já me ligou duas vezes da praia dizendo que morre de saudade do nosso baile, que pensa em mim todos os dias. Mas não dá pé, não, mãezinha. Ele é muito devagar e não sabe falar nada direito como a gente. Bonito ele é, mas é meio paradão. A senhora podia imaginar que fui eu que tirei a virgindade dele?

Senti a mão dela dar um repelão no meu braço.

– Como?!

– De beijo, mãezinha, de beijo. Ele aprendeu a beijar comigo. Eu fui a professora de beijo dele, entende?

– Não consigo entender isso, Aline, vocês se amassam, se beijam e no dia seguinte parece que nem se conhecem. E pare de rir de boca fechada, menina! Coisa mais feia!

Ficamos ouvindo a música por algum tempo sem dizer mais nada. Então um pingo eletrônico de som caiu da tela, que se iluminou, e interrompeu a música. Nos ajeitamos melhor para esperar o filme quando as luzes começaram a se apagar e minha mãe, como se falasse sozinha:

– Gosto muito dele.

 Quase contei a ela que andava paquerando uma porção de garotos num chat legal que eu descobri, mas fiquei na minha.



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