quarta-feira, 14 de agosto de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (65)


Dostoievski

Seguimos no capítulo em que o autor discute as divergências e convergências entre literatura e paraliteratura. As 64 postagens anteriores podem ser encontradas aqui no meu blog.

Pág. 135 - "A dinâmica das relações entre a literatura e a paraliteratura comporta influências e tensões recíprocas de vária natureza. A 'literatura elevada' pode fechar-se aristocraticamente em si mesma, excluindo deliberadamente do seu âmbito todos os elementos semânticos e formais que não se integrem numa tradição literária 'culta'. Este dissídio, imposto por uma literatura que aceita tácita ou declaradamente, com fundamentos doutrinais diferentes, o preceito horaciano da aversão ao 'publico ignaro' (odi profanum uulgus), verifica-se em períodos histórico-literários como o Renascimento, o neoclassicismo e o simbolismo: um escol de autores, beneficiário de um requintado património cultural, escreve para outro escol de leitores (the happy few), ignorando e desprezando os autores, os textos e os receptores que se situam na periferia do funcionamento histórico-social do sistema semiótico literário.
Noutros casos, porém, ocorre uma osmose importante, no sentido da periferia para o centro do sistema semiótico literário, entre os géneros 'não-canonizados' e os géneros 'canonizados': não só pode suceder, em determinado momento histórico, a 'canonização' (pág. 136) de um género até então adscrito em geral ao domínio da paraliteratura - o exemplo paradigmático deste fenómeno, na época moderna, é representada pela ascensão do romance da periferia até ao centro do sistema semiótico literário -, como também pode acontecer que os autores da 'grande literatura' vão haurir elementos semânticos e formais para a produção dos seus textos em textos paraliterários. Este último fenómeno ocorreu com frequência, por exemplo, no barroco, no romantismo e no realismo: mencionamos a profunda aliança entre 'poesia culta' e 'poesia popular' que se verificou no barroco português e no barroco espanhol, o enraizamento na 'literatura popular' - não necessariamente identificável, como vimos, com 'literatura oral' - de muitos textos da literatura pré-romântica e romântica, as influências exercidas pelo romance popular oitocentista em narradores como Dickens, Dostoiewskij, Galdós, etc.
Por outro lado, como já assinalámos, ocorrem fenómenos de influência do centro do sistema literário sobre a sua periferia, isto é, fenómenos de influência da 'literatura canonizada'  sobre a literatura 'não-canonizada', pois que nesta se repercutem sempre, embora com considerável atraso temporal e marcada simplificação, características semânticas e formais da 'grande literatura'. Por vezes, todavia, esta relação mimética assume uma função irônica e transgressiva, transformando-se então o texto paraliterário numa paródia do estilo, dos temas, (pag. 137)dos valores ideológicos, etc., dos textos da 'grande literatura'.

(CONTINUA)

2 comentários:

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças