sábado, 10 de agosto de 2013

TAPETE DE SILÊNCIO GANHA RESENHA NA REVISTA TRAVESSIAS INTERATIVAS

TAPETE DE SILÊNCIO, DE MENALTON BRAFF
Natasha Vicente da Silveira COSTA*

Tapete de silêncio surgiu no panorama literário de 2011 pela mão de Menalton  Braff, escritor de 19 obras – dentre livros de contos, romances e novelas juvenis – e vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Livro do Ano Ficção em 2000 com À Sombra do Cipreste (1999).

Se Braff optou por sugerir obliquamente por meio da plasticidade das figuras sensoriais no romance Moça com chapéu de palha (2009) e pela adição progressiva de informação em um crescendo análogo à obra musical que intitula Bolero de Ravel (2010), o autor concentra a prosa poética de Tapete de silêncio em um trabalho de metalinguagem inserindo o coro grego em âmbito romanesco.
Primeiramente, Tapete instaura no título a sinestesia por meio dos diferentes estratos sensoriais que se combinam no presságio das duas reflexões basilares engendradas pelo romance: de um lado, há proteção, sujeira e esconderijo e, de outro, ocultamento, sigilo e mudez.


O tema do romance – as relações de poder – é figurativizado por um enredo que revolve sobre a execução de um crime encomendado na pacata cidade interiorana de Pouso do Sossego, cujo topônimo, contraposto ao desenvolvimento da narrativa, descortina a figura de linguagem da ironia.
O comerciante e líder Osório é a personagem em que recairá a focalização e que permitirá o desenvolvimento da temática do poder, da hierarquia social e da influência:

A dificuldade de entendimento da maioria das pessoas é com o que existe e não se vê. É uma forma sem nitidez, em mudança, como uma fumaça escalando o espaço, dançando e se contorcendo. Minha autoridade é que faz o Camilo continuar estourando a marreta na parede, o estrondo cada vez menor. Isso é um poder. Cada um tem o seu. Sobre alguém. O doutor Madeira tem um poder maior do que o meu, pois ele quer e eu faço. Pare ele sou assim como o Camilo é para mim. Mas ele também tem seus receios, não pode fazer tudo o que tem vontade. (BRAFF, 2011, p. 51).

Osório não participa somente de uma expedição criminosa, mas também de um processo que envolve reflexão e autoconhecimento. A linguagem que constrói as suas e as demais ponderações faz uso de frases entrecortadas que tendem à oralidade, como se vê em “Muito mais fácil: um cabo da inteira confiança do doutro Madeira. Eu acho. O prefeito, nem se fala, só falta pedir a bênção na frente de todo mundo.” (BRAFF, 2011, p. 52).

Ressalta-se também que o romance combina o discurso indireto e indireto livre e, não aramente, resvala na sonoridade da prosa poética: “Ele não confessava, mas sua esposa, quando eu sentava em seu colo, dizia, Seu avô não era capaz de pentear o cabelo sem perguntar ao padre se podia.” (BRAFF, 2011, p. 9).

A estrutura artística de Tapete traz à tona um elemento essencial das tradições do drama por meio das 10 aparições do coro que se somam aos outros 14 capítulos. Pode-se afirmar que uma das funções dessa intertextualidade composicional, respeitados alguns limites estritos de gênero, seja a ampliação da narrativa para além do conflito pessoal vivido por Osório. Dessa forma, o coro do romance funcionaria como uma ponte entre o individual e o social.

Se for pertinente relembrar de modo sucinto o papel do coro nas tragédias para melhor elucidar o processo de narração do romance, vale destacar que, segundo Aristóteles (1988, p. 39), “O coro também deve ser considerado como um dos atores; deve fazer parte do todo, e da ação, não à maneira de Eurípedes, mas à de Sófocles”.

Enquanto a tragédia constituía-se por um princípio de alternância entre o coro e as cenas, Tapete faz revezar a narração em primeira pessoa de Osório e a narração do coro, similar à terceira pessoa e complementar ao restrito campo de conhecimento do protagonista.

Entretanto, se o coro das tragédias de outrora veiculava a opinião pública, aconselhava e tecia críticas a valores sociais e morais, esse papel em Tapete é transfigurado na própria autoconsciência de Osório, que rumina moralidades e censuras em suas conjeturas não dialogadas ao sentir a repugnância, o horror e o medo de seu ato criminoso iminente. A opinião pública, diversamente, toma a forma das “almas de pouca densidade” (BRAFF, 2011, p. 9), ou seja, dos habitantes opiniáticos e preconceituosos da cidade decadente de Pouso do Sossego.

Nesse sentido, o romance descreve um processo de reflexão intrinsecamente relacionado ao ato homicida do protagonista. A voz de Osório em Tapete questiona:

Como saber onde a vida acaba e a morte se torna o fim, a morte sem volta, sem nenhum registro de tudo que foi a vida? Onde as coisas têm seu início e onde estará seu fim? Há coisas que não acabam, apenas se transformam em outras. Quem é que sabe o que resta da mais antiga na mais nova? (BRAFF, 2011, p. 97).

As especulações de Osório o caracterizam como um pensador da estrutura do poder de Pouso do Sossego e suas ações o marcam como contribuinte para disseminar a ordem e a segurança local. Não é possível entrever, no romance, um comando superior que promova a salvação espiritual desse indivíduo de uma sociedade interiorana cujas hierarquias, sujeitos ameaçadores e submissos já estão claramente determinados há eras.

Em Tapete de silêncio, o enfraquecimento do elemento religioso – em favor da exposição neutra da consciência de Osório – é pontualmente desenvolvido no Capítulo 13, em que os relatos do protagonista na igreja são intercalados com as orações e trechos bíblicos. O discurso religioso não interage com o de Osório, caracterizando simplesmente uma composição justaposta.

Além disso, a reprodução de determinadas citações religiosas em Tapete ecoa a estrutura de poder construída ao longo do romance. O discurso bíblico em “Mas para que conheça que amo ao Pai, e que faço como ele me ordenou.” (BRAFF, 2011, p. 112) e “As palavras que eu vos digo, não as digo de mim mesmo: mas o Pai, que está em mim, esse é o que faz as obras.” (BRAFF, 2011, p. 111) remete à fala de Osório em “Mas eu fui apenas um instrumento do doutor Madeira, então o único responsável foi ele?” (BRAFF, 2011, p. 104) e “[...] adivinho que entre todos, sou o eleito como aquele que arca com toda a carga de culpa de nossa ação. Mas não, fui apenas uma ferramenta nas mãos do doutor Madeira.” (BRAFF, 2011, p. 75).

Em detrimento da salvação de uma alma, instaura-se uma nova representação do jogo de poder inerente ao ato de mandar (imputável a Deus e ao Dr. Madeira) e de obedecer (atribuível a Jesus e a Osório).

Em Tapete, tanto o elemento exterior e social da tradição religiosa quanto o interior das reflexões filosóficas de Osório sobre a morte e a culpa se tornam dispensáveis diante de uma absolvição midiática mentirosa. O protagonista tem sua inocência homologada falsa e silenciosamente e se sente seguro por pertencer à cadeia de poder que mantém as tradições e a disciplina na cidade.
Essa abordagem dicotômica, que se refere tanto à esfera política quanto à esfera familiar ou pessoal, é resumida na relação entre o poderoso Dr. Madeira e Osório. Caso não cumpra a tarefa que lhe foi designada, o protagonista contrariará perigosamente o acordo de proteção e parceria que rege o relacionamento de ambos e, caso coloque em prática o plano criminoso, contradirá seu ambíguo sistema pessoal de valores.

Considerando tais apontamentos, parece plausível que Menalton Braff esteja suscitando questionamentos acerca da modernidade perpassada de conteúdo midiático inexato e de hierarquias cegas de poder. Ademais, a possível afinidade de estrutura entre Tapete e as formas do drama grego parece reforçar esta ideia de Osório sobre o desenvolvimento humano: “Quanto ao mundo, continua no mesmo lugar” (BRAFF, 2011, p. 14).

Enfim, é possível ver que a interpretação desse curto romance de 123 páginas não se esgota, obviamente, em considerações de gênero e enredo apesar do admissível viés comparativo. Seria igualmente fértil, por exemplo, uma análise bakhtiniana desvendando as implicações do circo e das ações do povo como elementos demonstrativos da literatura carnavalesca e sua função no desdobramento da narrativa.

Tapete de silêncio poderá instigar, assim, pesquisadores da área de estudos comparados, gêneros, romance brasileiro contemporâneo e prosa poética.

*Natasha Vicente da Silveira Costa é doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP; Faculdade de Ciências e Letras; CEP 14800-901; Araraquara (SP); Brasil. Email: natashavsc@yahoo.com.br

REFERÊNCIAS
BRAFF, Menalton. Tapete de silêncio. São Paulo: Global, 2011.
ARISTÓTELES. HORÁCIO. LONGINO. A poética clássica. Introdução de Roberto de
Oliveira Brandão. Tradução direta do grego e do latim por Jaime Bruna. 3. ed. São

Paulo: Cultrix, 1988.

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