quinta-feira, 5 de setembro de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (67)

A  literatura oral em discussão:

Pág. 138 - "O sistema semiótico da literatura oral compreende signos paraverbais e extraverbais de grande relevância na sua constituição e na sua dinâmica, que interagem com signos literários verbalmente realizados e cuja organização semântica e sintáctica é regulada por códigos inexistentes no sistema semiótico da literatura escrita: o código musical , porque grande parte dos textos da literatura oral - em relação à poesia oral, todos os textos - é cantada ou entoada, podendo ser acompanhada de música produzida por instrumentos diversos; o código (pág. 139) cinésico, regulador dos movimentos rítmicos corporais executados apenas pelo emissor do texto ou conjuntamente pelo emissor e pela sua audiência e que constituem elementos importantes do texto literário oral, quer como complemento de signos verbais e verbalizados, quer como signos não-verbais; o código proxémico, que regula a utilização das relações topológicas entre seres e coisas como signos integrantes dos textos da literatura oral; o código paralinguístico, que regula os factores vocais, convencionalizados e sistematizáveis, que acompanham a emissão dos signos verbais, mas que não fazem parte do sistema linguístico, e que podem desempenhar importante função como signos constitutivos do texto da literatura oral (entoação, qualidade de voz, riso, etc.).
Estes códigos, (pág. 140) em interacção com os diversos códigos do sistema semiótico literário cujo modelo descrevemos em 2.9., subjazem à produção dos textos da literatura oral, configurando-se portanto o policódigo desta última como mais heterogéneo do que o policódigo da literatura escrita.
Entre o policódigo da literatura oral e os textos por ele regulados existe uma relação de quase absoluta especularidade, de modo que o texto literário oral, em vez de se constituir como um fenómeno de parole possibilitado pela langue daquele policódigo, se organiza antes como um quase fenómeno de langue , reiterando com modulações os esquemas semânticos e formais prescritos pelo policódigo, o qual assume, muitas vezes em íntima conexão com factores de ordem religiosa, mágica, oracular, ritual, etc., a imperatividade de uma tradição que se pode enriquecer, mas que é proibido alterar substancialmente. Na constituição e no funcionamento do policódigo da literatura oral desempenha uma função dominante a fórmula, representada, segundo a famosa definição de Milman Parry, por um 'group of words which is regularly employed under the same metrical conditions to express a given essential idea.' No plano paradigmático, as fórmulas constituem (pág. 141) verdadeiras unidades semióticas das culturas primariamente orais, permitindo organizar os seus textos literários tanto do ponto de vista semântico, como sob o ponto de vista estilístico, métrico, rítmico, etc., facilitando a memorização e a performance dos textos, propiciando o bom entendimento entre o emissor e a sua audiência.
As teorias de Parry e de Lord sobre o carácter eminentemente formular da literatura oral conduziram a uma concepção acentuadamente mecanicista do policódigo da literatura oral, entendido sobretudo como um dicionário de sequências vocabulares e estilísticas e como um depósito de esquemas rítmicos e métricos facilmente retidos e reproduzíveis pela memória. Nos últimos anos, porém, sob a influência da linguística chomskyana, alguns investigadores têm analisado a natureza e a dinâmica do policódigo da literatura oral à luz de uma perspectiva gerativista, em conformidade com a qual aquele polícódigo não se restringiria a um catálogo de fórmulas, de entidades semânticas, estilísticas, métricas, etc., cristalizadas, mas representaria também um património de técnicas e de aptidões (skills) específicas que possibilitam a criatividade e que permitem caracterizar a poesia oral como uma arte espontâneo-tradicional: 'the oral poet is one who, at the moment of performance, makes spontaneous, and therefore original realizations of inherited, traditional impulses.'"

(CONTINUA)

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