
Não sei o que terá feito antes
Dênisson Padilha Filho, nada sei sobre o autor, tampouco de sua obra. O que
tenho aqui são os originais de sua coletânea de contos O herói está de folga, e o desconhecimento me permitiu uma leitura
sem conceitos prévios o que me fez mergulhar em trabalho de descoberta, aquilo
que se vê pela primeira vez: o impacto puro.
E o que vi, me surpreendeu.
Numa época em que a moda é
expressar a trepidação dos tempos modernos, é tentar a imitação da mídia diária
(pelo menos assumir sua influência), este livro de contos foge ao modismo das
palavras cruas, das gratuidades de diversos matizes.
O mundo escolhido por Dênisson, que
muitos críticos incubados em apartamentos julgam não mais existir, é o mundo dos
lugarejos, do sertão, isto é, a maior parte do país. É um mundo rústico, de
pessoas rudes, em que há, claro, violência, paixões, e, por que não,
sentimentos delicados.
Com
essas mãos, longo conto dividido em duas partes, um matador profissional
conhece o inferno do remorso e não consegue fugir de seu passado a não ser por
uma brusca mudança de vida em que procura pagar pelos crimes que cometeu. À primeira
parte, crime e remorso, narrada com mão firme em terceira pessoa, segue a
segunda parte, pagamento da dívida, agora narrada em primeira pessoa por alguém
que acompanha com olhos atentos o descanso do herói.
A
verdade é que nosso homem vive o fim dos seus dias e aqui estou eu pra lhe
prestar meu respeito e tocar essas mãos pela última vez. Obrigado, você foi
tudo; um gigante, um assassino, um herói. O quarto é escuro, meu gigante vai
descansar, vai ter sua pausa, livrar-se das dores. Nada parece mais tentador
agora do que vê-lo partindo e sentir nisso uma alegria suprema.
No conto que lhe segue, Onde demora aquele fogo dos teus olhos?, há
como narrador um tipo bastante raro em nossa literatura, que o narrador em
segunda pessoa. E assim ele começa: Mais
um dia com sintomas de último. Você abre a janela e vê a cidade lá embaixo. Um
amor que não se realiza, resultando no aviltamento de ambos os amantes.
A
pin-up que caiu do céu é, talvez, o ponto mais alto desta coletânea.
Fascinante, a personagem Miqueias, que se apaixona por uma página de revista.
Um conto que pode ser classificado no realismo mágico ontológico, para usar a
nomenclatura do meio acadêmico, em que Miqueias passa a maior parte do tempo
encarapitado num mourão, olhando o mundo, depois de haver realizado sua
vingança contra um juiz corrupto. Miqueias é o menino que já nasceu velho, e
com alma velha ele atravessa o conto, com suas peripécias.
Feito
uma tonta é outro conto, dos longos, e que narra as tentativas impossíveis
de uma mulher casada, frustrada, e que não consegue se livrar das lembranças de
um antigo namorado. Vive torturada pela insatisfação e por ter deixado passar a
oportunidade de uma realização plena de sua vida sexual. Neste conto, o
narrador joga com realidade e fantasia numa simbiose em que nunca se sabe se a
realidade é fantasiada ou a fantasia realizada. O narrador atravessa por esse
entrevero com muita habilidade.
A linguagem dos contos demonstra
bastante competência lingüística, em que pese o fato de que em quase todos
predominar um coloquialismo, mas este mesmo adequado aos ambientes e
personagens. A despeito disso, há verdadeiras joias como a passagem Catou e saiu; e foi sumindo, e deixou a rua
sozinha, entregue às árvores da praça, seus fantasmas matinais.
Dênisson Padilha Filho, esse é o
nome, não podemos esquecê-lo.
Bela apresentação para um trabalho inédito. Sucesso, Dênisson Padilha Filho. Valeu, Menalton, pela generosidade. E viva a União Brasileira de Escritores e suas multiplicidades de apoios.
ResponderExcluirBelo texto, Braff! É sempre bom ver um grande escritor conhecer outro. Abraço aqui da BA (Rua Rockfeller)!
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