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A celebração era mais interessante quando envolvia alguma perspectiva
de melhorar o mundo por Menalton Braff
— publicado 02/01/2014 17:33
Alguns de meus conhecidos não acreditam na existência “real”
de Jesus Cristo, dando-o por mito como Zeus ou Dioniso. Argumentam eles que não
há evidência histórica da existência de Afrodite, por exemplo, razão por que os
cristãos (maioria da população do Ocidente) não sentem obrigação nenhuma de
idolatrá-la. Então, como ninguém ousa contrariar sua conclusão, eles, esses
meus conhecidos, pedem evidência histórica da existência de Jesus, o Rei de
Nazaré, e constrangidamente entendemos sua analogia.
Até onde podem levar-nos tais discussões, não sei. O que
sei, contudo, é que a data de nascimento de Jesus, “real” ou não, era uma festa
que, na minha juventude, fazia-nos muito bem. Havia sempre cerca de um mês,
pouco mais, de cada ano, em que renovávamos o propósito de melhorar o mundo,
cada um varrendo o pátio de sua própria caverna. Depois, enchia-se o inferno de
bons propósitos, que ninguém tem memória de elefante.
Houve uma época em que o desejo de melhorar o mundo escorregou das virtudes eclesiásticas para mundanos pensamentos humanos. Muita gente morreu sem sofrimento, com a convicção de que se imolava em benefício desta sofrida abstração que se chama humanidade. Era a Política imitando a Religião. O Rei de Nazaré, “real” ou não, não morrera ele mesmo para redimir a sofrida abstração que se chama humanidade?
Houve uma época em que o desejo de melhorar o mundo escorregou das virtudes eclesiásticas para mundanos pensamentos humanos. Muita gente morreu sem sofrimento, com a convicção de que se imolava em benefício desta sofrida abstração que se chama humanidade. Era a Política imitando a Religião. O Rei de Nazaré, “real” ou não, não morrera ele mesmo para redimir a sofrida abstração que se chama humanidade?
Então vieram outros tempos. Tempos em que o indivíduo
tornou-se mais importante do que a massa, porque, enfim, a massa é alguma coisa
incaracterística. A massa é apenas a massa. Se morre um indivíduo, com nome e
sobrenome, com carteira de identidade, noiva, currículo escolar, aspirações,
sonhos de sucesso, isso é uma tragédia e as pessoas todas se comovem com seu
destino truncado. Se morre a massa, ninguém morreu porque a massa é incolor.
Nestes tempos, os deuses são outros. Nem os deuses com caras humanas, como os
gregos antigos, nem o Deus sem cara ou corpo, dos cristãos. O deus agora é a
mercadoria e seu templo o supermercado.
Para uma nova religião, é lógico, surgiram os novos
pastores. Foi assim que se iniciou a difusão da ideia moderna de que o
Iluminismo foi um sonho fora da “realidade”, coisa de alguns dementes querendo
consertar o mundo. O mundo não tem conserto, eles afirmam, fora do mercado. E
se o mercado, este novo demiurgo, não consertar o mundo, isso é porque o mundo
não tem conserto mesmo, e o melhor que se tem a fazer é cada um tomar conta
apenas do quintal de sua caverna e providenciar para que sua família possa
frequentar com galhardia o novo templo.
Às vezes, nostálgico que sou, sinto saudade dos tempos em
que se festejava o Natal pensando apenas em melhorar o mundo.
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