Nada há mais melancólico do que fim de festa. As duas
paisagens, a exterior e a interior, geralmente são desoladoras
por Menalton Braff — publicado 06/01/2014 17:02
Nada há mais melancólico do que fim de festa. As duas
paisagens, a exterior e a interior, geralmente são desoladoras. Foi bem isso
que eu senti outro dia. Tive de voltar na manhã seguinte ao local do crime e
quase não acreditei no que vi. Em lugar do brilho da véspera, seus arranjos com
bandeirolas coloridas, suas fitas e topes, em lugar das mesas organizadas
segundo o mais apurado gosto, o que vi parecia o campo devastado por uma guerra
furiosa. Restos de comida jogados por cima e por baixo das mesas; garrafas
esparramadas; tocos de cigarro esmagados dentro de copos plásticos ainda com
restos de refrigerante. O salão, na verdade, pareceu-me um imenso cinzeiro. Em
lugar da multidão sorridente e loquaz, um gato incomodado atravessou o salão
solitário e silencioso e ganhou a rua por uma janela entreaberta. Realmente um
cinzeiro transbordando.
Depois de uma festa, é difícil haver alguém que não sinta um
pouco de remorso, tantos são os excessos que o espírito festivo justifica.
Durante a festa, aquela gula contida pelas ameaças do senhor médico, a custo contida,
diga-se de passagem, solta as frangas, avança o sinal, empurra para um amanhã
nem sempre provável todas as
preocupações com a saúde (ou com a estética), já que o instante é de euforia.
Depois dela, da festa, aquele peso no estômago, uma tremenda indisposição que
nos faz sentir como um navio encalhado em banco de areia. É um enfaro tão
grande que, em comunicação, só conseguimos enunciar alguns clichês.
A consciência, então, como é que a consciência fica? A
ciência do bem viver exige-nos contenção, muita contenção todo dia o dia todo,
para que o convívio social seja tolerável ou apenas possível. Algumas pessoas,
quanta ingenuidade, afirmam que são autênticas (é essa mesma a palavra que
usam), que dizem tudo o que pensam. E se orgulham desta autenticidade. Algumas
pessoas, umas poucas. Felizmente. Porque a maioria, por instinto de
sobrevivência ou por educação, não sai por aí dando trombada em Deus e todo o
mundo, agredindo sem necessidade, ofendendo quem lhe aparecer pela frente.
Parece incrível, pois estas últimas, quase sempre, são as que mais têm do que
se arrepender depois de uma festa. Se a festa é de casamento, então, a situação
piora consideravelmente. Parentalha, quando se encontra, quer botar as fofocas
em dia. Não há quem não saia um pouco ofendido, com alguma mágoa engasgada na
garganta.
Leitor apressado (essa é machadiana), não me acuse de ser
contra as festas só por ter feito as considerações acima. Por pior que seja uma
festa, ela é o condimento necessário para os dias e noites brancos que temos de
atravessar nesta vida. O que seria do mundo sem um dia o peso no estômago, sem
a mágoa de uma prima autêntica?
Mas o mais ridículo de tudo, em passagem de ano, são os
propósitos, sempre os mesmos, sempre repetidos e jamais alcançados. E por uma
razão bem simples: a única coisa que muda é a folhinha na parede.
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