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Manuel Antônio de Almeida: um caso raro
A importância de sua obra está em seu caráter inovador. Ele
fez mais do que um "romance picaresco"
por Menalton Braff
Não é todo dia que alguém escreve um único romance e
consegue ser canonizado, como se diz no meio literário, ou melhor, entrar para
a história. Claro, há casos como o de Guimarães Rosa, que escreveu apenas
Grande Sertão: Veredas, representando o gênero romance, contudo é autor de uma
alentada produção de contos e novelas. Raul Pompeia, outro caso raro, teve,
além de O Ateneu, Uma tragédia no Amazonas. Escapou por pouco do romance único.
Manuel Antônio de Almeida, nosso caso raro, órfão de um
tenente, mãe pobre, começou a trabalhar muito cedo e, ainda assim, conseguiu o
diploma de médico. Mas sua paixão já se havia estabelecido: o jornalismo.
Jamais exerceu a profissão para a qual havia estudado. No Brasil da época,
havia um curso de Direito em São Paulo, outro em Recife, um curso de Medicina
no Rio e a Escola Politécnica (Faculdade de Engenharia Naval). As vocações
tiveram de esperar mais de meio século para serem realizadas.
Pois o Manuel Antônio de Almeida, além de crônicas e artigos
para jornais, publicou na Pacotilha, suplemento do Correio Mercantil. Estamos
falando de meados do século XIX. E foi nesse suplemento que publicou Memórias
de um sargento de milícias, obra com que passaria à história da literatura
brasileira.
A importância da obra está em seu caráter inovador, pelo
menos para nossa literatura. Romance picaresco? O professor Antonio Candido discorda
de tal classificação, preferindo apontá-lo como o primeiro romance de
malandragem do Rio de Janeiro. Há ingredientes do personagem pícaro que não
residem em Leonardo, o protagonista. Mas são diferenças sutis, que não cabe
aqui discutir.
Na história da literatura picaresca, encontramos, talvez, em
primeiro lugar o Lazarillo de Tormes, de 1554, e de autoria desconhecida. De
1749 nos vem outro romance com características idênticas: Tom Jones, de Henry
Fielding. Não se esgotam por aí os romances picarescos, evidentemente, mas os
citamos como exemplares da categoria,
Muitos estudiosos e historiadores da literatura brasileira
gostam de aproximar o Memórias do Realismo, arremessando-o para o futuro.
Podemos fazer o mesmo, e creio que com maior propriedade, encontrado suas
ligações com o passado. Lembro-me de uma afirmação do professor Boris
Schnaiderman, da USP, sobre a designação de Realismo para um estilo de época,
designação que ele achava inadequada. Ao concordarmos com o ilustre professor,
devemos fazer a ressalva de que o Realismo, como estética literária definida,
não pode ser entendido como elementos de realidade, que atravessa todas as
estéticas.
Mas voltemos ao Manuel Antônio de Almeida. A nós nos parece
que sua intenção não estava em ser precursor do Realismo, cujo ideário ainda
não era cogitado entre nós. Em nosso opinião, ele quis, isso sim, ironizar os
excessos do Romantismo, valendo-se para tanto de uma tradição picaresca. Era
comum que os romances fossem publicados em folhetins de jornais. O que não era
tão comum assim, era a publicação sob pseudônimo. Alguns anos mais tarde,
quando saiu a obra em livro, é que o autor se denunciou.
E entrou para a história.
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