sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA


Conto extraído do livro À sombra do cipreste, editado pela Global Editora, vencedor do Prêmio Jabuti 2.000.

Domingo

Tudo que fazem nesta casa parece mesmo de propósito pra me encher o saco no único dia que passo todo com eles nunca vi coisa mais estúpida do que fechar a janela por causa do trânsito a moça do tempo avisando quarenta e dois graus e o ventilador quebrado e a minha pele gruda no curvim do sofá e agora não sei onde foi parar meu isqueiro alguém pegou meu isqueiro? mas ninguém me responde porque estão fazendo a última pergunta ao candidato que pode ganhar um carro ou uma casa não sei direito porque estava dormindo a boca ainda amarga da cerveja e do almoço preciso fumar senão a tarde fica estragada quem foi que pegou meu isqueiro porra mas realmente estou sozinho nesta sala se fosse no escritório já tinha resolvido meu problema ainda bem que amanhã é segunda-feira deitado em cima? é verdade mas se o Júnior abrisse a janela talvez melhorasse olha só pois não é que o filho da puta ganhou o carro mas não sei pra que tanto escândalo se quem ganhou foi um cara que eles nunca viram na vida como se eles também ainda boto a Marta num internato que solta por aí com os peitos nascendo e as coxas à mostra é um perigo vaidosa como ela é se eu não compro um carro igual a este é porque vocês consomem tudo o que eu ganho e ela diz que sente vergonha das amigas e
a mãe ainda apóia que eu devia exigir uma promoção pelo menos ela que nunca trabalhou na vida e nem imagina o que seja uma política de recursos humanos o senhor entende não entende? porque os demais tenha um pouco de paciência este fulano canta mas é muito mal não sei que tanto a meninada se liga nele até gente do escritório aquela secretária Júnior mandou bilhete pedindo disco no dia de amigo secreto e o besta aqui todo empolgado mas podia ser sua filha eu pensava por isso que ainda boto a Marta num inter- nato claro que depois de comprar um carro novo e renovar os móveis da casa o senhor tenha um pouco de paciência mas decerto um dia chega a minha vez precisando tomar um copo d'água quando eram menores quem vai buscar um copo d'água pro papai eles disputavam um pouco mais de paciência é duro aguentar este calor a sorte mesmo é que amanhã já é segunda-feira o dia todo ocupado a escrivaninha coberta de papéis que só eu entendo ou nenhures sem corpo que suportar completamente solto preciso perder uns quilinhos a secretária sempre diz o senhor precisa perder uns quilinhos e eu astucioso mas pra quê? e o sorriso dela é cheio de ambiguidades deste jogo em que ela se finge de caça dissimulada à espera de caçador e eu que não me atrevia a olhar duas vezes a mesma mulher me sinto um sátiro a correr solto pelos bosques ou nenhures melhor do que preso neste apartamento fechado até que já estava demorando agora eles começam a brigar o Júnior querendo ver o futebol e a Marta não quer mudar de canal na casa das minhas amigas um em cada quarto e os três me olham cobrando uma solução como se a política de recursos humanos o senhor entende não é mesmo? precisa ter um pouco mais de paciência você não toma nenhuma providência com estas crianças eles acabam se matando porque a mim eles não ouvem mais tá vendo só é isso que eu aguento sozinha a semana inteira vê se faz alguma coisa pelo amor de Deus a culpa não é minha se o escritório fica fechado aos domingos.


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