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Sociedade - Crônica
do Menalton
Muito
riso e pouco siso
O
inferno é infinitamente mais interessante do que o purgatório e o céu. No
inferno nos identificamos, lá se encontram nossos vícios, os vícios humanos
Pessoa
de minha total confiança foi quem me contou. Uma dessas loiras contratadas por
canais de televisão para divertir e instruir o povo brasileiro foi pega
cometendo o que mais elas cometem: uma gafe dantesca. São esses os momentos em
que mais sentimos a falta do Stanislaw Ponte Preta. Sentimos nós, os que
tiveram a ventura de viver numa época em que ele vivia. E escrevia. Seu
Festival de Besteiras que Assolam o País, além de fazer as delícias de uma
geração inteira, era uma válvula na panela de pressão, que foi a ditadura de
1964, mas não eram besteiras apenas de políticos. Uma de suas frases mais
célebres ─ “Televisão é máquina de fazer doido” ─ comprova a abrangência de seu
olhar arguto e caberia muito bem neste caso relatado por meu amigo.
A
dita loira, interrogada por alguém sobre A divina comédia, de Dante (mas isso
também já é crueldade), não teve dúvida e lascou, com a maior cara-de-pau, que
tinha rido do início ao fim do livro.
Pobres meninas, obrigadas que são, no fogaréu de programas ao vivo, a
fingir o que não são porque não podem decepcionar seu público sempre ávido por
heroínas.
Conheço
muita gente que nos continua merecendo o maior respeito e que confessa
honestamente não ter lido A divina comédia. Pode ser uma deficiência cultural,
jamais um defeito humano. Mas nossas apresentadoras, as tais heroínas, não
sabem disso.
A
palavra “comédia”, nos séculos XIII e XIV, não significava o mesmo que hoje.
Ela era usada para designar qualquer narrativa que não tivesse final
catastrófico, isto é, para narrativas que não terminassem tragicamente.
O
riso, nesse caso, foi o disfarce da ignorância.
Só
pra terminar, e lembrando uma entrevista recente de Umberto Eco: o inferno é
infinitamente mais interessante do que o purgatório e o céu. No inferno nos
identificamos, lá se encontram nossos vícios, os vícios humanos. A coisa
amarela no limbo e se santifica no céu. A Beatriz, como imaginá-la a mulher
amada senão aureolada de luz da santidade? Não, Dante não quis provocar nosso
riso.
Não
tenho notícias a respeito das convicções de Umberto Eco a respeito de religião.
Talvez seja ateu e, por isso, não deseje o céu nem tema o inferno. Lembro-me de
que declarou sua preferência com um sorriso bastante malicioso. O que me parece
indiscutível, entretanto, (pelo menos foi a impressão que me causou) é que o
julgamento do mestre prende-se apenas a uma avaliação poética.
Cada um no seu quadrado, para o público televisivo, que também não leu e nem sabe do que se trata, a afirmação da loira soou na mais absoluta normalidade. Quanto ao Stanislaw Ponte Preta (nosso velho Sérgio Porto), era um sábio, pois realmente a televisão deteriora a mente das pessoas. Abraços.
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